Por Julimar Roberto*
Na década de 1970, o poeta baiano Lúcio Barbosa compôs “Cidadão”, que se tornou um ícone da música brasileira na voz de Zé Ramalho. A música, que começa com a narrativa “tá vendo aquele edifício moço, ajudei a levantar”, conta a história real do tio do autor, Ulisses, que, vindo do interior para a cidade grande, trabalhou a vida inteira na construção civil, sem nunca ter uma casa própria.
Romantizado e imortalizado através da arte, o problema da falta de moradia no Brasil é uma das feridas mais profundas no tecido da nossa sociedade, mesmo havendo um direito à moradia formalmente reconhecido pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000.
Desde 1995, a Fundação João Pinheiro calcula o déficit habitacional no país, que se refere ao número de famílias que vivem em condições precárias de moradia ou mesmo, sem moradia alguma. Segundo levantamento da FJP, nosso país necessita de 5,8 milhões de habitações para resolver a demanda reprimida. Para se ter ideia do tamanho do problema, o Censo 2022 publicou que São Paulo conta com 5.210.370 residências, entre casas e apartamentos. Isso nos obriga a dizer que seria necessária uma cidade um pouco maior que a capital paulista.
Lamentavelmente, esse déficit é um reflexo das desigualdades estruturais enraizadas na história do país. Desde a chegada dos portugueses, quando os indígenas foram despojados de suas terras, até a consolidação dos latifúndios, que perpetuaram uma distribuição desigual de propriedades, a questão habitacional no Brasil é marcada por uma complexa trama de exclusão e despossessão. A formação da sociedade brasileira, portanto, não pode ser desvinculada da luta pelo direito à moradia digna, que é também uma luta pelo reconhecimento e reparação histórica às populações segregadas pelo modelo social excludente e dominante.
Como a Constituição Federal incumbiu União, estados e municípios de promover programas habitacionais, tivemos a oportunidade de assistir a alguns ensaios ao longo dos anos, como a criação da Fundação da Casa Popular em 1946, ou o Banco Nacional de Habitação (BNH) em 1964. No entanto, foi o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), lançado em 2009 pelo presidente Lula, que representou uma mudança significativa na abordagem da questão habitacional no país.
Em 2019, quando o Minha Casa, Minha Vida completava dez anos, uma reportagem do Brasil de Fato comemorou o fato do programa ter garantido moradia a mais de 7 milhões de pessoas, mas denunciou a postura do então presidente Jair Bolsonaro de haver suspendido as contratações que garantiriam a construção de mais moradias.
Passadas essas águas tão turbulentas, com a regresso do governo Lula, o MCMV foi revitalizado e ampliado. Em 2023, no primeiro ano de seu terceiro mandato, Lula entregou 21,5 mil unidades habitacionais para as famílias.
Nesta semana, o presidente anunciou a contratação de obras para a entrega de 112 mil moradias, beneficiando 440 mil pessoas. Essas habitações serão destinadas a comunidades quilombolas e povos indígenas, também para famílias organizadas pelos movimentos de luta por moradia e com prioridade para grupos mais vulneráveis como mulheres chefes de família ou famílias em locais de risco. A meta, segundo Lula, é de contratar 2 milhões de novas residências até 2026.
É disso que se trata: reparação! Reparação social e histórica.
O Governo Federal também anunciou uma nova modalidade de financiamento para a faixa 1 do programa, evidenciando ainda mais o compromisso com o direito à moradia e a busca por soluções inovadoras para enfrentar os desafios habitacionais.
Nomeada de FGTS Futuro, a recente iniciativa permite que trabalhadores com rendimentos insuficientes para adquirir um domicílio possam utilizar os depósitos futuros em suas contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço como complemento para o financiamento imobiliário. Com isso o programa amplia as oportunidades e reduz as barreiras para a aquisição da casa própria.
Vale ressaltar que os impactos positivos do Minha Casa, Minha Vida vão além da questão habitacional. A retomada e o incremento do programa têm impulsionado a geração de empregos e o crescimento econômico, especialmente no setor da construção civil. A criação de novos postos de trabalho formais e o aquecimento da economia refletem não apenas a eficácia do MCMVI, mas também seu potencial transformador em várias esferas da sociedade.
Diante desses avanços, torna-se evidente a importância de políticas públicas voltadas para o direito à moradia. O MCMV representa um exemplo bem-sucedido de como é possível promover a inclusão social e o desenvolvimento sustentável por meio de iniciativas habitacionais eficazes e abrangentes. Somente com a garantia do direito à moradia digna poderemos construir uma sociedade mais justa, igualitária e solidária, onde cada indivíduo tenha a oportunidade de viver com dignidade e segurança em um lar que possa chamar de seu.
*Julimar é comerciário e presidente da Contracs-CUT