Reforma Tributária precisa considerar desigualdades de gênero e raça

A Reforma Tributária é fundamental para otimizar o crescimento econômico, estimulando a competitividade da indústria e do comércio no país. Contudo, ela deve contemplar também a justiça social, e para que isso ocorra é fundamental incluir na nova proposta os recortes de gênero e raça, promovendo a inclusão da mulher negra.

É o que defende a deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG). Em entrevista ao Jornal PT Brasil (assista abaixo), ela defendeu que a Reforma Tributária considere a desigualdade de gênero na sociedade: “Faltam mulheres nesses debates de assuntos que são estratégicos para a construção do nosso país e para inaugurar um novo ciclo. A Reforma Tributária que está sendo pautada hoje pelo grupo de trabalho, pelo relator, pelos acúmulos que se conseguiu construir, será muito pautada no ponto de vista do consumo. Uma reforma na unificação dos impostos no consumo, e isso atinge as mulheres, em especial as mulheres negras, que pagam impostos sobre tudo aquilo que consomem”, afirmou.

A parlamentar mineira alega que a Reforma Tributária precisa considerar a desigualdade de gênero na sociedade: “Que o cashback para a mulher possa ter um valor diferente, já que a medida vai atingir diretamente as mulheres. Taxar o consumo é taxar 80% do salário das mulheres que recebem até três salários mínimos, já que há um investimento muito grande com comida, roupa, gás, coisas básicas do dia a dia de casa. Então, considerar as mulheres nessa reforma é fundamental para equilibrar a balança e conseguir construir a nossa justiça fiscal. A fome no nosso país tem cor, gênero e endereço certo. Nós precisamos estar nesses movimentos para contribuir com uma taxação que seja feminista, inclusiva e ter esse olhar para todos os corpos, todas as famílias”, alertou Tonantzin.

Entenda como os tributos recaem mais sobre as mulheres 

Mas de que forma a tributação dos produtos afeta diretamente as mulheres? O tema foi objeto de pesquisa da advogada Luiza Machado. Em sua dissertação para o mestrado, a acadêmica apontou que vários produtos ligados tanto à fisiologia da mulher, como absorventes e pílulas anticoncepcionais, quanto ao trabalho do cuidado têm uma alíquota igual ou superior a produtos supérfluos ou produtos de consumo hegemonicamente masculinos.

Segundo ela, são três pontos que a tributação brasileira discrimina as mulheres: “A tributação brasileira tem três aspectos que interpela as mulheres. O primeiro é que a tributação brasileira é regressiva, por se concentrar mais na tributação do consumo, e como as mulheres estão em maior situação de pobreza e recebem menores salários que homens e estão na parte de baixo da pirâmide de renda, especialmente as mulheres negras, então proporcionalmente pagam mais tributos que os homens brancos, que estão na parte de cima da pirâmide.”

Como a tributação brasileira é regressiva, explica Machado, quem ganha menos paga proporcionalmente mais tributos do que quem ganha mais e, como as mulheres negras estão na parte de baixo da pirâmide, acabam arcando com mais tributos. “Precisamos reconhecer que a tributação regressiva aumenta não só a desigualdade de renda, mas a desigualdade de gênero e raça”, pontuou.

O segundo e o terceiro pontos se conectam, pois versam sobre produtos, em especial os ligados à fisiologia feminina: “O sistema reprodutor feminino tem uma fisiologia distinta do sistema reprodutor masculino e, como consequência disso, mulheres consomem absorventes, produtos ligados à maternidade e a funções fisiológicas que são inafastáveis e não têm correspondência com o sexo masculino. As mulheres vão ter de 400 a 500 ciclos menstruais ao longo da vida e vão gastar milhares de absorventes em sua vida, o que não tem correspondência com o sexo masculino. Os produtos ligados à fisiologia da mulher têm uma tributação maior do que os produtos ou que não são essenciais ou são ligados às funções masculinas. Temos o exemplo dos anticoncepcionais, que têm uma tributação três vezes maior do que a camisinha”.

Conforme explica Machado, os absorventes são tributados em torno de 27,25%, que é uma alíquota alta no Brasil. Ela afirmou que na Colômbia a Suprema Corte declarou inconstitucional a cobrança de tributo, do IVA, sobre absorventes justamente por entender como uma prática discriminatória.

E em terceiro há a tributação sobre os produtos ligados ao trabalho do cuidado: “Eu faço essa separação entre o que é fisiologia e o trabalho do cuidado porque os produtos ligados à fisiologia é uma função biológica inafastável ligada ao sexo feminino, já o trabalho do cuidado é imposto pela sociedade e pelo patriarcado, através da divisão sexual do trabalho, que faz com que as mulheres desempenhem mais trabalhos de cuidado do que os homens e, como consequência disso, a gente vê nas pesquisas de orçamentos familiares que as mulheres consomem mais produtos ligados ao trabalho de cuidado do que os lares chefiados por homens”, informou.

Por exemplo, pomadas como Hipoglós, usadas para tratar assaduras de bebês, e às vezes usadas em idosos, têm uma tributação superior à pomada de cera lustra veículos. “A bomba extratora de leite é um produto essencial, ligada a uma função fisiológica da mulher, mas tem uma tributação três vezes maior do que a bomba para encher pneu de carro”, revelou a pesquisadora.

Quem ganha mais deve pagar mais

“A nossa luta realmente é para taxar os rentistas porque não dá para a gente construir um país igual e com justiça social tendo tanta riqueza na mão de poucos e pobreza distribuída nas mãos de muitos na sociedade. Não taxar as grandes fortunas é não taxar os herdeiros da Casa Grande. Nós precisamos regulamentar a taxação das grandes fortunas, aqueles que vivem de dividendos, aqueles que vivem de investimento de renda e que não têm taxação para isso. Por que é que o motoboy que trabalha 12 horas por dia e ganha menos de um salário mínimo por mês tem que pagar o imposto do IPVA e aqueles que têm lanchas e jet ski não pagam nenhum tipo de imposto sobre esses veículos? Precisamos rever também essas formas de taxação”, questionou a deputada.

A reforma proposta prevê a simplificação de tributos e a adoção de mecanismos como o cashback, que consiste na devolução do tributo para as pessoas mais vulneráveis. Como essas medidas podem ajudar a reduzir as desigualdades, sobretudo nos lares chefiados por mulheres negras?

A deputada mineira explica: “A lógica dos impostos no século 20 foi conduzida pela dimensão de que você paga o imposto para o Estado te devolver em serviços. Hoje, nós, mulheres, negros, pessoas pobres, a classe trabalhadora, da periferia pagamos impostos em praticamente tudo o que consumimos, se não em 100%. Então, se você está pagando tanto imposto e não está recebendo de volta do Estado por meio de políticas públicas, nós queremos o cashback. Pensa bem: aquela pessoa que tem dinheiro para pagar o médico particular, a escola particular do filho, e assim depois ela deduzir no imposto de renda? Isso já é uma forma de cashback. Ou seja: há uma devolução para quem tem dinheiro para pagar, e para o pobre que paga imposto em tudo o que consome, o serviço retornado de volta ainda é muito baixo. Então, o cashback pode ser uma forma importante, se assim aprovada, para se combater a injustiça e as desigualdades e fazer avançar o que a gente tanto sonha e defende, que é o bem viver”, encerrou.

Da Redação do Elas por Elas

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