Pochmann: é hora de tributar os mais ricos para corrigir distorções sociais

O Brasil não terá condições de fazer grandes avanços na área social e operar transformações em seu modelo de desenvolvimento sem uma reforma tributária, assunto que deverá discutido em breve, tão logo o governo apresente uma proposta ao Congresso. O presidente Lula defende um modelo tributário mais justo para o país, que responda à tese encampada na campanha presidencial de que é preciso colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda. Para o economista Marcio Pochmann, o modelo brasileiro atual atrasa o desenvolvimento brasileiro.

Em entrevista ao Jornal PT Brasil, nesta quinta-feira (16), Pochmann discorreu sobre alguns dos principais temas do debate econômico no país, como a taxa de juros, a reforma tributária e a crise bancária americana e seus possíveis efeitos no país. Na conversa com Amanda Guerra, o economista argumentou que é hora de tributar os mais ricos para corrigir velhas distorções sociais.

“Ocorre que o sistema tributário atual no Brasil termina pendendo mais para um lado do que para outro, na proporção”, explicou o economista. “Nas famílias mais pobres, quem recebe até dois salários mínimos chega a comprometer quase 40% do que ganha na forma de impostos. Impostos, aliás, que ela não consegue perceber porque estão embutidos no preço do alimento, do transporte de ônibus, do combustível”.

Pochmann avalia que o peso dos tributos diretos, como o imposto de renda, acaba sendo menor nessa conta. “Há setores da atividade econômica, como os exportadores de produtos primários, os que aplicam dinheiro no sistema financeiro, que pagam muito pouco imposto em relação a quem trabalha, quem produz”, apontou o economista.

“O que significa dizer que são os mais pobres, é a base da sociedade, o andar de baixo, que financia o setor público brasileiro”, esclareceu.

“Essas são as distorções a serem destacadas do sistema produtivo, que atua contra o povo, já que é ele quem paga mais impostos proporcionalmente à sua renda”, opinou Pochmann. Para ele, não há dúvida de que o sistema tributário brasileiro deveria ajudar os que mais produzem no país.

Discussão acadêmica

O economista chamou a atenção para o curioso fato de que a discussão em torno da reforma tributária é isolada do resto da sociedade no Brasil, ficando circunscrita ao meio acadêmico e aos estudiosos do tema. “A população, de modo geral, não participa, embora seja a que mais contribua para a própria arrecadação do Estado brasileiro”, observou.

“A reforma que precisa ser feita é uma resposta às mudanças que foram sendo feitas desde 1990, graduais, e que alteraram a funcionalidade da tributação no país”, justificou o economista, citando exemplos. Até o fim dos anos 80, a alíquota máxima do imposto de renda era de 60% e, por isso, alcançava rendas maiores. Hoje é de apenas 27,5%. “Quem mais terminou beneficiado por essa redução da tributação estava no andar de cima do Brasil”.

Lucros e dividendos

Pochmann também criticou uma mudança na lei que privilegiou a parcela da sociedade que recebe lucros e dividendos no país. Até 1994, lembrou o analista, esse grupo pagava 15% de impostos. A partir de 1995, a parcela que recebe lucros e dividendos passou a ser isenta. “Como sabemos, não são os pobres, os trabalhadores, que recebem lucros e dividendos, é o andar de cima da sociedade brasileira”.

Ele citou ainda o setor do agronegócio que também se beneficiou pela redução de impostos a partir de 1996. “Isso precisa ser corrigido, até porque temos uma estrutura produtiva muito diferente do que tínhamos há 30 anos”.

Para Pochmann, a modernização das cadeias produtivas trazida pelo uso de novas tecnologias apenas reafirma a necessidade de uma reforma ampla no sistema tributário. “[Temos] a presença de grandes empresas de tecnologia estrangeiras, que operam por satélites, que praticamente não pagam impostos, não contribuem para a sociedade brasileira. A reforma deveria corrigir isso”, apontou.

Crise americana

Pochamnn fez uma avaliação da crise nos Estados Unidos, cujo banco Silicon Valleu Bank (SVB) quebrou na semana passada. Ele voltou no tempo, até a crise de 2008, para apontar erros cometidos pelo Banco Central americano (Fed), em especial a falta de regulação dos bancos, que continuaram operando livremente no país.

O problema, segundo o analista, ficou agora mais nítido porque o Banco Central tem operado nos últimos dois anos com uma politica de elevação da taxa de juros. “O Banco Central tornou mais caro o custo do dinheiro, asfixiando o crédito. Isso criou problema para bancos que estavam em situação mais frágil”.

Redução dos juros no Brasil

Razão pela qual o economista comunga com a tese encampada pelo presidente Lula de que a taxa de juros praticada pelo Banco Central sufoca o crescimento econômico do país. “[A taxa de juro] vai asfixiando ainda mais, não apenas o crédito, mas a capacidade da economia brasileira em reagir, expandir e gerar emprego, que é o que precisamos hoje”.

Ele sustenta que é preciso reavaliar a lei que estabeleceu a chamada autonomia do Banco Central, que se tornou um instrumento para afastar a instituição das decisões políticas de um governo eleito pelo voto.

“Essa independência do BC, estabelecida no governo passado, não trouxe resultados positivos para o Brasil, a atual gestão não consegue, por exemplo, cumprir a meta de inflação”, ponderou Pochmann. “Tivemos, inclusive, escândalos contábeis no próprio Banco Central, que se apresenta sempre com pouca transparência, tem um vínculo muito estreito com o capital financeiro”. 

Crítica aos defensores do Estado mínimo

Voltando aos Estados Unidos, o caso dos bancos não é isolado, aponta. “As chamadas Big Techs estão demitindo trabalhadores porque também estão em dificuldade”, afirmou, referindo-se aos juros elevados. Pochmann alertou para o risco de uma contaminação em cadeia pelo sistema bancário americano.

Ao comentar a rápida atuação do Estado americano no caso SVB, Pochmann alfinetou os chamados defensores do Estado mínimo, uma raça quase em extinção no resto do mundo, mas que no Brasil resiste às custas de teorias como a do teto de gastos, tese encapsulada por uma visão anacrônica de mundo.

“Agora, quando vem a emergência da crise dos bancos, são os primeiros a defender que o Estado entre”, ironizou. “É claro que o Estado tem de atuar mas, assim como entra para salvar banco, também precisa salvar a população, com recursos adequados para atender educação e saúde”, ressaltou o economista.

Da Redação do PT

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