Perda de renda, inadimplência continua crescendo no comércio

“Com desemprego, inflação e juros em dois dígitos, endividamento e inadimplência afetam cada vez mais famílias, que somem das lojas. Comércio se vira para sobreviver”

A população brasileira foi capturada pelo ciclo econômico infernal alimentado por Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes desde 2019. Desemprego, inflação e taxa básica de juros (Selic), todos na casa dos dois dígitos, reduzem a renda das famílias, elevam endividamento e inadimplência a patamares históricos e obrigam comerciantes e prestadores de serviços a se virarem para atrair consumidores, cada vez mais escassos.

A inadimplência é o que mais preocupa o comércio, após dois recordes seguidos nos dados da Serasa Experian, em abril e maio. Em apenas um ano, entre maio de 2021 e de 2022, a “lista suja” do Serasa cresceu em quatro milhões de pessoas. Em maio, 66,6 milhões de consumidores, ou 31% da população, não conseguiram pagar suas contas, e as projeções indicam que o “inferno de Bolsonaro e Guedes” está longe do fim.

As estimativas do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), por exemplo, apontam que o número de pessoas físicas com atrasos em pagamentos acima de 90 dias seguirá crescendo no terceiro trimestre. Em julho, a alta será de 4,99%, chegando a 5,40% em agosto e 5,10% em setembro, aponta a instituição.

Ao jornal Valor Econômico, Tulio de Queiroz, diretor financeiro da Guararapes, dona da rede Riachuelo, afirmou que “houve percepção de aumento de inadimplentes, como reflexo da questão macroeconômica”, já no primeiro trimestre.

No período, o percentual de títulos vencidos sobre a carteira total de concorrentes do ramo têxtil como as Lojas Renner atingiu 22,1% nos primeiros três meses do ano, contra 19,1% em 2021. Na C&A, a inadimplência do cartão próprio foi de 5,3% – uma alta de 4,2 pontos percentuais em comparação ao primeiro trimestre do ano passado.

Pressionadas pela queda progressiva dos salários ocorrida desde a “reforma trabalhista” de Michel Temer, pelo aumento descontrolado dos preços de alimentos, combustíveis e das contas de luz, e por juros cada vez mais extorsivos, as famílias limitam as compras ao estritamente necessário. Quando precisam adquirir algum bem de custo mais elevado, garimpam promoções, modelos básicos e condições favoráveis – as tradicionais “compras a perder de vista”. Ou adiam as pretensões de compra para um futuro incerto.

Queda das vendas e alta dos preços e dos juros

O adiamento das compras ocorre principalmente com produtos mais caros, cuja aquisição depende de crédito. A venda de notebooks, por exemplo, caiu 18,9% de janeiro a maio em relação ao mesmo período de 2021, aponta a empresa de estudos de mercado GfK.

A queda fez o mercado de eletroeletrônicos passar a oferecer parcelamento de apenas seis a dez vezes, após anos praticando prazos de 12 a 24 meses. “Vimos muitos cancelamentos de compras por conta da taxa de juros”, diz Emerson Salomão, fundador da Avell, fabricante brasileira de notebooks. Segundo ele, houve queda de 20% nas vendas entre janeiro e junho, em comparação com o segundo semestre de 2021.

A concorrente Lenovo apela para a oferta de notebooks com configurações menos avançadas para estimular as vendas. “É possível reconfigurar algumas versões, com processadores mais simples e mais memória, para adequar produtos à demanda, sem comprometer a performance”, revela Ricardo Bloj, presidente da Lenovo no Brasil.

Sonho de consumo em um mundo conectado, os smartphones sofisticados também perderam mercado. Alexandre Elias, diretor de marketing da RCell, revela queda de 16% nas vendas no primeiro semestre, e a maior demanda é por aparelhos mais baratos.

“O consumidor procura uma TV com tela grande, mas abre mão da tecnologia mais avançada, de resolução de imagem e processamento”, complementa Fernando Baialuna, diretor de varejo da GfK. Dados da consultoria mostram que as vendas de TVs recuaram 1,6% de janeiro a maio frente a 2021, enquanto o faturamento teve alta de 5,4%. Resultado do reajuste médio de 7,2% nos preços.

Já carros zero-quilômetro tiveram as vendas reduzidas em 15% de janeiro a junho, e dirigentes do setor revisaram a projeção de crescimento para o ano de 9% para praticamente zero, devido ao encarecimento do crédito. A venda financiada de veículos novos encolheu até a mais baixa participação dos últimos anos – 36,4% no primeiro semestre, estima a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea). Há três anos, o financiamento representava 50% a 60% das vendas.

Nos dois últimos anos, os preços dos zero-quilômetro subiram acima da inflação – 12,4% em 2020 e 26,3% em 2021. “No primeiro semestre deste ano os aumentos ficaram em 5%, na média”, diz Cassio Paglia, chefe de estratégia da Bright Consulting.

O mercado de usados, que subiram devido à maior procura, também apresenta mudanças. O Banco BV, que restringia os financiamentos para carros com até 20 anos, passou a aceitar modelos com até 25 anos, além de ampliar o prazo de financiamento para até 50 meses.

“Temos visto uma migração do cliente do zero-quilômetro para o mercado de seminovos e o cliente do seminovo para o de carros mais usados. Por conta disso, passamos a financiar carros um pouco mais velhos”, justifica Flavio Suchek, diretor-executivo de varejo do BV.

“Quando se juntam inflação de dois dígitos, juros em dois dígitos e preço do usado subindo 40%, temos uma prestação maior somada à perda do poder aquisitivo. Começaremos a ver um aumento da inadimplência a partir do quarto trimestre”, prevê o diretor de distribuição e varejo do banco, Celso Rocha.

“Sonho da casa própria” é adiado

O setor da construção, que cresceu no início da pandemia, puxado pelo auxílio emergencial de R$ 600, agora se retrai. A Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco) projeta expansão de 1,5% este ano, abaixo do que estimam supermercados (2,8%) ou farmácias (20%). “O que nos ajuda é a elevada oferta de crédito nesse mercado e competição nas linhas entre os bancos”, comenta Geraldo Defalco, presidente da entidade.

Entre as construtoras, a grande preocupação é com a perda do poder de compra das famílias de baixa renda. Rafael Menin, copresidente da MRV&Co, diz que inflação e juros altos fazem com que as pessoas com renda mais baixa adiem a compra do imóvel. “Até que haja correção de salário para compensar a inflação, leva um certo tempo; e temos clientes com renda muito frágil”, lamenta.

Para os próximos meses, os comerciantes apostam em melhoras das vendas alimentadas pela PEC eleitoreira do desgoverno Bolsonaro, que liberará R$ 41,2 bilhões para alguns segmentos. No entanto, o endividamento recorde e a inadimplência histórica poderão fazer as famílias conterem o consumismo para liquidar suas dívidas e recompor as economias.

No primeiro semestre deste ano, a Caderneta de Poupança registrou saída líquida de R$ 50,5 bilhões. O valor é 205% superior ao resgate líquido registrado no mesmo período do ano passado. Também foi o pior resultado para o período da série histórica, iniciada em 1995.

Fonte: Portal PT

 

 

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