Mulheres são as principais vítimas do trabalho ‘invisível’ do cuidado

Em alusão ao Dia Internacional do Trabalho, a ONG Oxfam Internacional divulgou recentemente um comunicado à imprensa com dados sobre a desigualdade mundial no mundo do trabalho com foco no cuidado e na presença da mulher.

Segundo o levantamento, mulheres e meninas estão gastando 4,6 trilhões de horas de trabalho de cuidado não remunerado todos os anos. O relatório afirma que “Mulheres e meninas dedicam pelo menos 380 bilhões de horas de trabalho de cuidado não remunerado todos os meses. As mulheres trabalhadoras muitas vezes têm que trabalhar horas remuneradas reduzidas ou abandonar completamente a força de trabalho por causa de sua carga de trabalho não remunerada. Elas também continuam a enfrentar discriminação com base em gênero, assédio e menos remuneração por trabalho de igual valor que os homens.” Para ler o estudo na íntegra, basta clicar aqui.

Por ser o cuidado um tema caro ao presidente Lula, e como parte da retomada do governo está o compromisso com a valorização da organização social dos cuidados. Conforme relata Frei Betto em artigo, assim que soube que venceu as eleições, o presidente recém-eleito disse: “agora é a hora de cuidar do povo brasileiro”. Afinal, para haver o pleno desenvolvimento social e econômico é preciso que as políticas públicas criadas e pensadas deem atenção a todos os setores que compõem a sociedade, mesmo aqueles que são tidos como invisíveis, mas, na verdade, são essenciais.

Por isso, o assunto, tão necessário e presente na vida de milhões de brasileiros e brasileiras, ganhou uma secretaria exclusiva para desenvolver e articular políticas públicas. A Secretaria Nacional de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), pasta responsável, ao lado do Ministério das Mulheres, de coordenar a pauta.

“O objetivo da criação da Secretaria Nacional de Cuidados e Família parte da necessidade que haja uma política pública integrada de cuidados no Brasil. A gente entende que o cuidado é um bem público porque são as pessoas que necessitam do cuidado. O cuidado é algo cotidiano. É preciso entender também que produzir alimentação, produzir condições de higiene da casa. O grande problema na nossa sociedade é que esse trabalho historicamente foi visto como uma atribuição das mulheres. É necessário entender isso como um trabalho pesado, são muitas horas de trabalho invisível feito no interior das famílias, principalmente pelas mulheres”, explica a secretária Nacional de Cuidados e Família, Laís Abramo, do MDS, em entrevista ao jornal do PT. Segundo a secretária, pouco mais de 35% das crianças brasileiras estão em creches, quando isso deveria ser um direito e uma possibilidade de acesso a todas as crianças.

Mulheres seguem como principais vítima do trabalho ‘invisível’ do cuidado

A carga de trabalho não remunerado, invisível, não reconhecida, muitas vezes impede as mulheres de explorarem outros âmbitos da vida como, por exemplo, a conclusão (ou início) da trajetória profissional, entrar no mercado de trabalho e conquistar uma autonomia econômica, ou até mesmo  participar da vida pública.

A pandemia contribuiu diretamente para essa sobrecarga das mulheres com o fechamento das escolas e de outros tipos de serviços. Segundo a secretária, apesar de sua enorme importância, a organização social dos cuidados é profundamente injusta. “As mulheres dedicam mais que o dobro do número de horas semanais ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado do que os homens. A alta carga de trabalho doméstico e de cuidados não remunerados assumida por elas, em especial as mulheres mais pobres e negras, é uma forte barreira para a conclusão de suas trajetórias educacionais, sua inserção no mercado de trabalho e na vida pública”, revela Abramo.

Os cuidados são fundamentais para sustentar, cotidianamente, a vida humana e para garantir o funcionamento da sociedade. O trabalho de cuidados envolve uma série de atividades necessárias à reprodução da vida e do bem-estar das pessoas, que inclui tanto atividades rotineiras como a compra e preparação de alimentos, a manutenção e a limpeza dos domicílios, como o apoio e assistência a atividades diárias de pessoas com diferentes graus de autonomia ou dependência, com especial atenção às crianças e às pessoas idosas e com deficiência que requeiram apoio e auxílio. Uma parte muito grande desse trabalho é exercido pelas mulheres em seus próprios domicílios.

“As mulheres dedicam, no Brasil, o dobro de horas dedicadas que os homens e isso é muito mais forte nas famílias de baixa renda, que não têm como comprar esses trabalhos no mercado, ou seja, contratar uma trabalhadora doméstica, contratar uma babá, ou pagar uma creche particular quando não tem uma oferta da creche pública meios como creches ”, releva a secretária.

O diretor executivo interino da Oxfam International, Amitabh Behar, afirmou que “O único aumento que os trabalhadores viram é o trabalho de cuidado não remunerado, com as mulheres assumindo a responsabilidade”, disse Behar. “Este trabalho incrivelmente árduo e valioso é feito gratuitamente em casa e na comunidade.”

Ainda de acordo com a representante do MDS, é um fator central para que 30% das mulheres que estão desocupadas não procurem emprego, número que aumenta para cerca de 62% das mulheres que têm filhos de até três anos. “Essa pobreza de tempo é uma barreira para a autonomia econômica das mulheres e a igualdade de gênero no mundo do trabalho e contribui para a reprodução da pobreza e da desigualdade”,  atesta.

Importância da Política Nacional de Cuidados – PNC

O desenvolvimento de uma política que seja o alicerce nessa nova lógica de tratamento do cuidado busca reduzir e redistribuir a sobrecarga do cuidado sobre as mulheres, corresponsabilizando não apenas os homens, no âmbito das famílias, mas também o Estado, por meio de políticas públicas, além das empresas/mercado e sociedade como um todo. Seu objetivo fundamental é garantir o direito ao cuidado a todas as pessoas que o necessitem e o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores do cuidado, considerando as desigualdades estruturais que caracterizam a sociedade brasileira em termos de gênero, classe, raça, etnia, território e ciclo de vida.

Algumas iniciativas que podem ser compreendidas como exemplos de políticas de cuidado: licenças maternidade, paternidade e parentais; creches e educação infantil; centros de atenção diurna e de longa estadia para pessoas idosas e pessoas com deficiência; cuidados domiciliares e tele assistência para pessoas idosas e com deficiência; programas de formação, certificação de competências, “respiro” e acompanhamento psicológico de cuidadoras e cuidadores; direitos trabalhistas e previdenciários para as trabalhadoras e trabalhadores do cuidado, incluindo as trabalhadoras domésticas.

Como está o andamento da PNC?

Abramo explica que a criação de uma política e um plano nacional de cuidados é um grande desafio, que envolve um trabalho intersetorial, interfederativo e participativo. O primeiro passo foi a criação, por decreto presidencial, no dia 30 de março, de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI).

“O GTI é composto por 17 ministérios, além do IBGE, IPEA e Fiocruz, contando com uma coordenação compartilhada da Secretaria Nacional de Cuidados e Família do MDS e do Ministério das Mulheres. A missão do GTI é realizar um diagnóstico das necessidades e da oferta de cuidados que hoje existem no país e identificar que programas, serviços e equipamentos poderiam ser criados, fortalecidos ou mais integrados para melhor atender a essas necessidades. A partir desse diagnóstico, propor uma Política e um Plano Nacional de Cuidados. Os trabalhos começam ainda em maio e o GTI terá seis meses (prorrogáveis por mais seis) para concluir essas importantes tarefas”, conclui.

Da Redação do Elas por Elas,  com informações da Secretaria Nacional de Cuidados e Família do MDS,  da Oxfam,  do Planalto e do Le Monde Diplomatique Brasil

LEIA TAMBÉM

COMENTÁRIOS