O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa na manhã desta quarta-feira (23/10) por videoconferência na reunião ampliada da 16ª Cúpula do Brics. Na primeira sessão de trabalho do dia, iniciada às 6h (horário de Brasília) em Kazan, na Rússia, o presidente foi representado pelo ministro Mauro Vieira, das Relações Exteriores. Na segunda sessão, Lula falou aos líderes do bloco por videoconferência (assista ao vídeo logo abaixo).
Lula abriu seu discurso mencionando a proposta brasileira de Aliança Global contra a Fome e à Miséria, apresentada pela presidência do País no G20, em novembro. Convidou os parceiros do Brics a aderir à aliança. E também a ajudar a construir outra proposta importante do Brasil, a de se criar um regime global de tributação dos super-ricos. O presidente defendeu a discussão de uma moeda alternativa ao dólar no comércio internacional, de modo a favorecer as transações comerciais entre os países emergentes. E saudou a presidência de Dilm Rousseff no Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco do Brics, que atualmente financia cerca de 100 projetos de desenvolvimento e infraestrutura.
Diálogo contra a escalada de violência
Lula citou fala do presidente da Turquia na ONU, que classificou o território de Gaza, atacado por Israel por meses, como o maior cemitério de mulheres e crianças do mundo. “Essa insensatez agora se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano”, afirmou. E fez um apelo para que o mundo reaja para promover negociações de paz entre Ucrânia e Rússia, diálogo “crucial” se evitar, ainda, uma escalada de conflitos na região e no mundo.
“No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar junto sem prol de objetivos comuns. Por isso, o lema da presidência brasileira (no Brics, a partir de 2025) será: fortalecer a cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável.”
Confira íntegra da fala de Lula na 16ª Cúpula do Brics
Mesmo sem estar pessoalmente em Kazan, quero registrar minha satisfação em me dirigir aos companheiros do Brics. Quero agradecer o apoio que os membros do grupo têm estendido à presidência brasileira do G20.
Seu respaldo foi fundamental para avançar em iniciativas que são cruciais para a redução das desigualdades, como a taxação de super-ricos.
Nossos países implementaram nas últimas décadas políticas sociais exitosas que podem servir de exemplo para o resto do mundo.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza já está em fase avançada de adesões.
Convido todos a se somarem à iniciativa, que nasceu no G20, mas está aberta a outros participantes.
O Brics é ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima. Não há dúvida de que a maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje. É preciso ir além dos 100 bilhões anuais prometidos e não cumpridos, e fortalecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos. Os dados da ciência exprimem um sentido de urgência sem precedentes. O planeta é um só e seu futuro depende da ação coletiva.
Também cabe aos países emergentes fazer sua parte para limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio.
Na COP 30, em Belém, vamos juntos mostrar que é possível conciliar maior ambição em nossas Contribuições Nacionalmente Determinadas com o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.
Na presidência brasileira do Brics, queremos reafirmar a vocação do bloco na luta por um mundo multipolar e por relações menos assimétricas entre os países.
Não podemos aceitar a imposição de “apartheids” no acesso a vacinas e medicamentos, como ocorreu na pandemia, nem no desenvolvimento da Inteligência Artificial, que caminha para tornar-se privilégio de poucos.
Precisamos fortalecer nossas capacidades tecnológicas e favorecer a adoção de marcos multilaterais não excludentes, em que a voz dos governos prepondere sobre interesses privados.
O Brics foi responsável por parcela significativa do crescimento econômico mundial nas últimas décadas.
Juntos, somos mais de 3,6 bilhões de pessoas, que integram mercados dinâmicos com elevada mobilidade social.
Representamos 36% do PIB global por paridade de poder de compra. Contamos com 72% das terras raras do planeta, 75% do manganês e 50% do grafite.
Entretanto, os fluxos financeiros continuam seguindo para nações ricas.
É um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvido.
As iniciativas e instituições do BRICS rompem com essa lógica.
A atuação do Conselho Empresarial contribuiu para ampliar o comércio entre nós.
As exportações brasileiras para os países do Brics cresceram doze vezes entre 2003 e 2023.
O Brics é hoje a origem de quase um terço das importações do Brasil.
A Aliança Empresarial de Mulheres está criando redes para fomentar o empoderamento econômico feminino e combater as desigualdades de gênero que persistem.
Por meio do Mecanismo de Cooperação Interbancária, nossos bancos nacionais de desenvolvimento vão estabelecer linhas de crédito em moedas locais, que reduzirão os custos de transação de pequenas e médias empresas.
O Novo Banco de Desenvolvimento (o NDB), que neste ano completa dez anos, tem investido na infraestrutura necessária para fortalecer nossas economias e promover uma transição justa e soberana.
Sob a liderança da companheira Dilma Rousseff, o NDB conta atualmente com uma carteira de quase 100 projetos e com financiamentos da ordem de 33 bilhões de dólares.
Ele foi pensado para ser bem-sucedido onde as instituições de Bretton Woods continuam falhando.
Em vez de oferecer programas que impõem condicionalidades, o NDB financia projetos alinhados a prioridades nacionais.
Em vez de aprofundar disparidades, sua governança se assenta na igualdade de voto.
Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países.
Não se trata de substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional.
Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada.
Muitos insistem em dividir o mundo entre amigos e inimigos. Mas os mais vulneráveis não estão interessados em dicotomias simplistas.
O que eles querem é comida farta, trabalho digno e escolas e hospitais públicos de acesso universal e de qualidade.
É um meio ambiente sadio, sem eventos climáticos que ponham em risco sua sobrevivência.
É uma vida de paz, sem armas que vitimam inocentes.
Como disse o presidente Erdogan na Assembleia Geral da ONU, Gaza se tornou “o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo”.
Essa insensatez agora se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano.
Evitar uma escalada e iniciar negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia.
No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns.
Por isso, o lema da presidência brasileira será “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”.
Companheiros, espero vê-los na próxima Cúpula para construir mais um capítulo da nossa história comum.
Muito obrigado presidente Putin e muito obrigado aos companheiros que estão em Kazan.
Presidência brasileira
Mauro Vieira chefia a delegação brasileira nos demais compromissos presenciais e reuniões bilaterais. Vieira participou ontem (22) de jantar de abertura da cúpula do Brics, na cidade russa. Antes, o chanceler manteve encontro de trabalho com o chanceler do Egito, Badr Abdelatty.
Os ministros manifestaram preocupação com a inação da comunidade internacional em relação à tragédia humanitária em Gaza, aos ataques israelenses ao Líbano e à perspectiva de alastramento regional do conflito ainda maior. Discutiram também a participação do Egito na cúpula do G20, no Rio de Janeiro, bem como temas da cúpula do Brics e da futura presidência brasileira do bloco, a partir de janeiro de 2025.
Além das reuniões, uma restrita e outra ampliada dos países membros do Brics nesta quarta, um encontro entre representantes de 30 países com interesses comuns aos do bloco está marcada para quinta (24), último dia da cúpula.
16ª Cúpula do Brics
A reunião acontece em Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro. O encontro prevê a a emissão de uma declaração intitulada Fortalecendo o Multilateralismo para o Desenvolvimento Global Justo e Seguro. O documento contém 106 parágrafos que abrangem os avanços alcançados durante negociações setoriais, como informa o secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, Eduardo Paes Saboia.
Essa será a primeira cúpula do Brics com a participação dos cinco novos membros que ingressaram no bloco este ano: Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Etiópia. Até o ano passado, o Brics era formado apenas por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. No dia 23, a delegação ministerial brasileira acompanha as sessões plenárias dos membros do bloco. A presidência russa convidou para o encontro cerca de 30 países e organizações internacionais.
Durante a cúpula, os líderes dos atuais 10 países membros discutirão temas globais como a crise do Oriente Médio, operação política e financeira dentro do bloco, além de receberem relatórios sobre os trabalhos do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), do Conselho Empresarial do Brics e da Aliança Empresarial das Mulheres. No segmento com convidados, por sua vez, estão previstas discussões sobre questões internacionais de cooperação para o desenvolvimento sustentável e inclusivo.
O principal tema da reunião de Kazan é a criação da categoria de países parceiros. “Na Cúpula de Joanesburgo, em 2023, foram incorporados novos membros plenos e, naquela ocasião, se encomendou ao canal de Sherpas a elaboração da categoria de parceiros. É nisso que é consumido o nosso trabalho neste semestre, quais são os critérios para essa modalidade, e há uma expectativa de que, aprovada essa modalidade, possa ser feito um anúncio dos países que seriam convidados para integrar essa categoria”, detalhou Saboia (confira vídeo do briefing apresentado pelo Itamaraty nasemana que passou).
Presidência brasileira
O Brasil assumirá a presidência do Brics em 1º de janeiro de 2025, e o país tem uma tradição de presidências produtivas e voltadas para resultados concretos. “Em 2014, durante a presidência brasileira do BRICS, foi criado o Novo Banco de Desenvolvimento e o Acordo Contingente de Reservas, dois dos maiores êxitos do bloco. Então, será uma presidência austera, mais focada em resultados”, pontuou o embaixador.
O QUE É — O Brics é uma parceria entre as maiores economias emergentes do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Etiópia. A primeira cúpula – ainda sem a África do Sul – ocorreu em 2009, na cidade de Ecaterimburgo, na Rússia.
O diálogo entre os países se dá em três pilares principais: cooperação em política e segurança, cooperação financeira e econômica, e cooperação cultural e pessoal. Cerca de 150 reuniões são realizadas anualmente em torno desses pilares. O principal objetivo do bloco, por meio da cooperação, é alterar o sistema de governança global, com uma reforma de mecanismos como o Conselho de Segurança da ONU, além de introduzir alternativas às instituições como o FMI e o BID para o fomento às economias emergentes, como é o caso do NDB.
Fonte: gov.br