Ao lado da fome, da condução irresponsável da pandemia, da violência política, entre outras tragédias, a existência de um contingente de 783 mil CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), grande parte deles contaminados por discursos de ódio, é mais um dos tristes legados de Jair Bolsonaro, um cenário inédito que o governo do presidente Lula se compromete a reverter.
Nos próximos meses, como anunciou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, o governo vai reforçar a fiscalização sobre a atuação desses atiradores, armados sob a inspiração do ex-presidente da extrema direita, que dedicou os quatro anos de mandato a estimular seus seguidores a atacarem as instituições democráticas. O resultado disso foram as ações terroristas cometidas após as eleições, como a tentativa de explodir um caminhão-tanque no aeroporto de Brasília e os atos golpistas do 8 de janeiro.
Nos últimos quatro anos, como resultado do afrouxamento da legislação sobre armas, o número de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) explodiu no país, de 117,5 mil, em 2019, para 783,4 mil, em dezembro de 2022. Esse contingente, hoje, é maior que os efetivos nacionais das Forças Armadas e das polícias militares.
Entre os prejuízos causados à sociedade pela irresponsabilidade do governo passado está o aumento, nos últimos quatro anos, de 1.200% do envolvimento de CACs em crimes contra a Mulher, entre os quais o feminicídio, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado, neste mês, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Além disso, houve quatro crimes de feminicídio por dia em 2022, com o uso de arma de fogo em aproximadamente 30% dos casos.
“O presidente tem alertado para separar o joio do trigo. Quem é colecionador de verdade, caçador, atirador esportivo, muito bem, uma atividade legítima. Agora, o presidente deu essa diretriz e vamos cumprir para intensificar a fiscalização de clube de tiro e, aqueles que não cumprem a lei, obviamente serão fechados”, disse Flávio Dino, em entrevista ao canal Gov.
Quanto aos clubes de tiro, a quantidade também se multiplicou nos últimos quatro anos, com a abertura, em média, de um estabelecimento por dia, totalizando 1.483 registros concedidos. Esses locais passaram a atuar como verdadeiros comitês da violência bolsonarista e fonte de desvios de arsenais para o crime organizado. Esse alerta tem sido feito com frequência pelo presidente Lula, pelo ministro Dino, pela presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), além de outros políticos e também especialistas.
“Esse decreto de liberação de armas que o presidente anterior fez era para agradar o crime organizado, porque quem consegue comprar [armas] é o crime organizado e gente que tem dinheiro”, afirmou Lula, durante a live Conversa com o Presidente,
Já a deputada Gleisi Hoffmann anunciou que discutirá com a bancada do partido na Câmara a elaboração de projeto de lei propondo nova regulamentação para CACs e clubes de tiro. “O que são esses atiradores profissionais? Profissionais, só aqueles das forças de segurança do país. Armas em mãos erradas trazem mais dores e problemas para a sociedade”, disse a presidenta do PT.
Operações
O reforço da fiscalização anunciado por Dino deverá ser acompanhado de um aprofundamento das ações que a Polícia Federal tem realizado contra pessoas que usam o registro de CACs para cometer crimes.
Em 4 de maio deste ano, por exemplo, a PF deflagrou, em todo o território nacional, a Operação Day After, que prendeu 50 CACs e possuidores de armas de fogo em geral, suspeitos de envolvimento em diversos delitos e que não recadastraram armas dentro do prazo estabelecido pelo governo. Pelos mesmos motivos, outros 33 foram presos no final de junho.
Um decreto assinado pelo presidente Lula em 21 de julho prevê uma migração progressiva das atividades de fiscalização de armas, hoje sob responsabilidade do Exército, para a Polícia Federal, a partir do entendimento de que é a instituição adequada para monitorar armamentos civis.
A norma também estabelece novas regras, mais restritas, para clubes de tiro. Ficam proibidos, por exemplo, os estabelecimentos com funcionamento 24 horas. Quanto à localização, não poderão funcionar a menos de 1 km de distância de escolas públicas ou privadas.
Tentativa de golpe
“Atenção CACs: precisamos de vocês. Estejam juntos com o povo nesse levante para proteger a população e os irmãos Patriotas em Brasília”. Foi com mensagens como essa que centenas de milhares de CACs foram convocados para atos terroristas como a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro. Lideradas por militantes bolsonaristas, essas convocações mobilizaram membros da base mais fiel de apoio a Bolsonaro, incentivados pela recusa do ex-presidente em aceitar a derrota na eleição.
Um dos CACs que atenderam à convocação foi o terrorista George Washington, condenado por colocar uma bomba em um caminhão-tanque no aeroporto de Brasília. A operação, que fracassou por causa de uma falha no artefato, poderia causar um grande número de mortes.
Em depoimento à Polícia Civil de Brasília, ele afirmou que “o que me motivou a adquirir as armas foram as palavras do presidente Bolsonaro, que sempre enfatizava a importância do armamento civil dizendo o seguinte: ‘Um povo armado jamais será escravizado’”.
Além disso, a Polícia Federal encontrou, no celular do terrorista, uma carta escrita para o ex-presidente. “Longe de Minha Família, Esposa, Filhos e negócios, mas jamais desistirei de nossa pátria. O sr. despertou esse Espírito em nós, o Sr. sabe muito bem disso! Hoje sinto orgulho da Nossa Bandeira, de Nossa Pátria Amada Brasil”, diz a carta.
Washington também enviou mensagens para o senador Eduardo Girão (NOVO-CE), integrante da tropa de choque bolsonarista na CPMI do Golpe. Ele cobrava a “ativação” de CACs para um golpe de Estado. “Vão esperar até quando para ativar os CACs como força de reserva? Tem muito CAC atirador sniper”, escreveu Washington para o aliado, em 11 de dezembro.
No mesmo dia, o terrorista enviou mensagens para o deputado Elieser Girão (PL-RN). “General Girão, vão esperar até quando para acionar os CACs? Têm CACs prontos. Acione, general! Coloque-os em treinamento militar intensivo. Temos muitos fuzis a disposição, não nos deixe sair como bandidos”, escreveu o terrorista. No dia seguinte, 12 de dezembro, foi registrada a primeira arruaça em Brasília, quando golpistas incendiaram a capital contra a diplomação do presidente Lula.
Da Redação do PT