Alta renda concentra 24% das carteiras inadimplentes, e baixa renda responde por 37%. “Programa Desenrola Brasil facilitará renegociações”, anuncia Paulo Paim
“Legado” do desgoverno Bolsonaro, o endividamento generalizado das famílias atinge com mais força as mais pobres, que também concentram as taxas mais altas de inadimplência. O cenário é descrito por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) na ‘Carta do Ibre’ deste mês.
A partir da base de dados do Sistema Central de Riscos (SCR) do Banco Central (BC), os pesquisadores organizaram uma radiografia detalhada da onda de endividamento ocorrida entre janeiro de 2020 e julho de 2022. O SCR agrega dados das instituições financeiras sobre 750 milhões de operações de crédito acima de R$ 200,00, entre empréstimos, financiamentos, avais e fianças, abrangendo 109 milhões de clientes.
Com base nessas informações, os pesquisadores do IBRE esmiuçaram como as famílias mais pobres se superendividaram nas modalidades mais caras de crédito. Isso causou uma disparada da inadimplência bem mais concentrada nas faixas de renda mais baixas (até dois salários mínimos) do que nas mais altas (a partir de cinco salários mínimos).
Dos quase R$ 3 trilhões da carteira de crédito à pessoa física em julho deste ano, a faixa de alta renda concentrava quase metade (49%), enquanto 19% estavam na baixa renda. Mas os mais pobres respondiam por 37% do volume da carteira inadimplente, enquanto os de renda mais alta, por 24%.
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“Com o nível recorde de 68,4 milhões de pessoas inadimplentes em setembro deste ano, de acordo com os dados do Serasa Experian, o superendividamento das famílias brasileiras virou tema de primeira linha no embate eleitoral”, avalia o doutor em economia Luiz Guilherme Schymura, pesquisador do FGV Ibre. O problema não passou despercebido pela campanha do agora presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
“Oito em cada dez famílias estão endividadas. As mais atingidas são as de baixa renda. 66 milhões de pessoas estão inadimplentes. @lulaoficial vai criar o programa Desenrola Brasil para facilitar a renegociação das dívidas e para que as pessoas tenham o nome limpo na praça”, anunciou o senador Paulo Paim (PT-RS) em postagem no Twitter.
Má gestão econômica e social da crise da Covid-19 gerou onda de endividamento
A inadimplência entre os mais pobres atingiu em julho 10% nas linhas de empréstimo pessoal, 13% no cartão de crédito e 13% em “outros”, que inclui cheque especial. Na alta renda, as taxas foram de 3%, 3% e 4%, respectivamente.
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Desde janeiro de 2020, esses produtos de crédito, considerados “sem garantia”, cresceram mais fortemente que os garantidos (crédito consignado, imobiliário, veículos e agrícola). Tomando como base janeiro de 2020, as linhas garantidas cresceram em volume 40% até julho de 2022, enquanto as sem garantia tiveram expansão de 64,5%.
Entre a população de baixa renda, o aumento do volume de crédito sem garantia no período foi de 73%, e o com garantia, de apenas 17%. Na alta renda, o crescimento foi de 49% no sem garantia e de 40% no garantido.
No período, entre o segmento da baixa renda houve alta de 68,5% no endividamento em cartão de crédito e de 131% no empréstimo pessoal sem garantias, as duas linhas mais caras disponíveis no país. Na alta renda, o crescimento da dívida foi de 56% e 62%.
Ainda entre a baixa renda, perfis com renda mais volátil – microempreendedores individuais (MEIs), autônomos e empresários – contraíram mais empréstimos sem garantia e agora apresentam inadimplência maior que aqueles de baixa volatilidade de renda (funcionários da iniciativa privada, servidores públicos e aposentados).
José Júlio Senna, coordenador do Centro de Política Monetária do FGV Ibre, explica que boa parte do crescimento explosivo da dívida dos brasileiros tem raízes na pandemia. As medidas de isolamento social tiveram impacto enorme no orçamento das famílias, especialmente as de baixa renda. As interrupções do pagamento do auxílio emergencial geraram insegurança e momentos de privação, aumentando a fome no país.
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Ao mesmo tempo, a taxa básica de juros (Selic) em 2% favoreceu as condições de crédito no início da pandemia, quando as famílias ainda tinham espaço para aumentar o endividamento. Mas a má gestão econômica do desgoverno Bolsonaro gerou um quadro de inflação, juros e desemprego de dois dígitos, levando à expansão do endividamento.
Conforme as notas de crédito BC, a relação entre o saldo das dívidas das famílias no mês e a renda disponível chegou ao recorde da série (53,1%) em julho deste ano. Desde fevereiro de 2020, o aumento foi de 11 pontos percentuais. Já o comprometimento da renda – relação entre o valor estimado de gastos com dívidas e a renda –aumentou 5,7 pontos no período, atingindo 29,4% em agosto, novo recorde.
“Quando olhamos essas condições, a subida dos juros, o aumento da inadimplência, uma concessão de crédito na ponta mais cara e com menor qualidade, sem garantias, é algo que nos preocupa bastante”, afirma Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre e uma das responsáveis pela análise. Segundo ela, já é possível observar uma piora significativa das condições do mercado de crédito.
“Para o segmento de baixa renda, é bastante normal renegociar dívidas, mas agora isso está sendo feito num ambiente de juros muito mais altos, o que deve criar um superendividamento persistente, com efeitos macroeconômicos adversos como a inibição do consumo”, conclui Luiz Schymura.
Da Redação