Brasil vem perdendo indústrias, empregos com carteira assinada e bons salários. Para o economista Marcio Pochmann, país regrediu 100 anos na área industrial
A medida eleitoreira de reduzir os preços dos combustíveis pelo menos até 2 de outubro, segurou a escalada a inflação, apesar de não ter derrubado os preços dos alimentos, mas isso não significa que a economia está “bombando”, como vêm dizendo membros do governo de Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição.
E são as estatísticas oficiais que provam que o governo não está falando a verdade, segundo análises de especialistas da área econômica.
Se por um lado, o nível de emprego sobe, por outro lado, a maioria é sem carteira assinada e os salários estão cada vez mais baixos; as famílias estão cada vez mais endividadas e as grandes empresas e indústrias capazes de gerar bons empregos, com direitos, estão fechando e as multinacionais estão saindo do Brasil.
Os dados do Ministério da Economia apontam uma onda de redução no número de aberturas de empresas e avanço nos casos de fechamento neste ano. Entre maio e agosto, mais de 600 mil empresas foram fechadas. O volume de empresas fechadas é cerca de 10% maior do que o registrado no quadrimestre anterior e quase 25% superior ao patamar do mesmo período no ano passado.
O movimento já vinha acontecendo desde 2020, ano em que perdemos 2.865 indústrias, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em julho passado.
A fragilidade da economia do país também pode ser constatada pelo número de empresas abertas por microempreendedores individuais, em 2021. Do total de 2.016.481 milhões de empresas abertas no país 78,48% foram MEIs. Ou seja, nos últimos três anos, a economia vem cambaleando e sem perspectiva de ajudar a melhorar a vida dos brasileiros.
O economista da Unicamp, Marcio Pochmann, explica que o problema do Brasil atualmente é o fim de uma política industrial que havia sido incrementada nos últimos anos, mas o atual governo optou pelo agronegócio e pelas exportações. Ele conta que as exportações e importações equivaleram a quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB).
“É uma economia voltada para a exportação e o mercado de consumo interno é voltado para bens de consumo não duráveis; o restante vem por importação”, diz o economista.
O que acontece, prossegue, é que de um lado já estamos há um bom tempo sem crescimento; a economia vive um quadro de estagnação com inflação alta e, o governo estimula o consumo por meio de programas sociais.
E dada a dimensão da pobreza, acrescenta o economista, esses recursos vão para bens de consumo não duráveis como alimentação, vestuário, calçado, aluguel, pagar dívidas. ”Essas iniciativas são artificiais, de não consumo de bens duráveis, como automóveis, casas, produtos com valores maior do que o salários”, diz o professor.
“Na verdade, os pobres são intermediários por receber essa transferência de renda, que é positiva, mas transfere para quem tem poder de mercado por causa da inflação como os bancos, quando estão endividados”, afirma Pochmann.
Desindustrialização é opção de governo
A exportação de produtos primários perdura no Brasil por mais de quatro séculos e a desindustrialização é a ponta do iceberg da instabilidade econômica do país; com a desestruturação do sistema produtivo, que era complexo, diversificado e integrado que praticamente não se produz mais aqui, analisa o economista.
“O Brasil está se especializando em exportar serviços primários. A nossa competitividade está dada pelo baixo custo do trabalho e abundância dos recursos naturais, não é tecnológico. Desde 1990, fomos perdendo capacidade de competir no exterior, por juros altos e a própria valorização cambial”, diz.
“Os governos do PT reagiram a isso, construíram convergência entre a tecnologia, a ciência e o sistema produtivo; quando isso estava maturando houve rompimento com o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, e o Brasil voltou a 100 anos, para a década de 1920, em ser exportador de bens primários”
Baixos salários impedem consumo de bens duráveis
O economista acredita que o Brasil fez uma escolha na divisão internacional do trabalho; optou por uma economia de baixos salários com, inclusive, com o governo atual acabando com a Política de Valorização do Salário Mínimo, que durante os governos do PT foi reajustado acima da inflação, com ganho real de 74,33%. Para Pochmann, a reforma Trabalhista, em 2017, de certa maneira consolidou, legalizou o que já estava em curso, após o golpe em 2016.
“Com salários mais altos, é possível melhorar o bem estar da população de baixa renda, permitindo que empresas grandes não fechem por não ter demanda na produção”, diz Pochmann.
O economista também credita à reforma da Previdência, aprovada em 2019 na gestão Bolsonaro, a impossibilidade de que os ocupados de hoje se aposentem, e a própria lei geral de terceirização, outro legado do golpe, liberou a selvageria no mercado, derrubando ainda mais o poder de compra das famílias e, portanto, a capacidade de consumo de bens duráveis.
Para um futuro com maior industrialização, melhores salários e retomada da economia, o economista diz que sua velocidade se dará pela capacidade política de colocar essas ações em movimento.
“Pode demorar mais porque essa situação favorece alguns setores, como o agronegócio e o mercado financeiro e até do exterior. Por isso, é preciso a construção de uma maioria política que defenda o crescimento com distribuição de renda e fortalecimento do emprego”, conclui.
Confira as indústrias e empresas estrangeiras que deixaram o país
Montadoras
Desde 2019, pelo menos 13 multinacionais de diversos setores deixaram o Brasil. Há três anos, a montadora Ford anunciou o encerramento de suas atividades na unidade de São Bernardo do Campo (SP). Um ano depois, foi a vez dos funcionários de Taubaté (140 km de SP) receberem a notícia do fim das atividades e, em 2021, a montadora anunciou o encerramento de sua produção no Brasil. O fechamento das fábricas resultou na perda de aproximadamente 5 mil empregos diretos.
Neste ano, em maio, a Caoa Chery decidiu limitar suas atividades em Jacareí (80 km de SP) e fechar a fábrica de forma temporária para fazer alterações. Cerca de 600 funcionários foram demitidos. A unidade será remodelada.
Em dezembro de 2020, a Mercedes-Benz anunciou o fechamento da única unidade da marca no Brasil voltada à produção de automóveis leves. A fábrica, localizada em Limeira (SP) contava com 370 funcionários. No último dia 6 deste mês de setembro, a montadora alemã anunciou o fechamento de 3.600 vagas de trabalho entre empregos direitos e indiretos na sua planta de São Bernardo do Campo.
Eletroeletrônicos
Em março de 2021, a Sony confirmou o encerramento de suas atividades comerciais no Brasil. Em setembro de 2020, a companhia japonesa de eletrônicos já havia anunciado o fechamento da sua única fábrica brasileira localizada em Manaus (AM).
Medicamentos
Em 2019, a fabricante de medicamentos suíça Roche anunciou encerramento da produção de remédios no Brasil, além de fechar a fábrica que possui no Rio de Janeiro. Segundo a empresa, as atividades devem ser encerradas em quatro ou cinco anos.
A também farmacêutica norte-americana Eli Lily deixou o Brasil em 2020 e transferiu a produção para Porto Rico.
Outras empresas que saíram do país, mas não são indústrias
Vestuário
Em janeiro, a Forever 21 fechou 11 lojas no Brasil em meio à recuperação judicial nos EUA.
Também anunciou a sua saída do Brasil ,em janeiro deste ano, a marca francesa de fast fashion Kiabi.
Aplicativos
A empresa de aplicativos espanhola Glovo encerrou suas atividades no Brasil em 2019, um ano após chegar ao País.
Alimentação
Walmart – a maior varejista do mundo vendeu 80% de sua operação brasileira a um fundo de investimentos;
A cadeia de restaurantes americana Wendy’s fechou duas unidades no Brasil em 2019, mas não informou o motivo dessa decisão.
A rede Hooters, também encerrou suas atividades em março de 2019.
Também deixaram o Brasil as empresas internacionais de diversos segmentos Nike, Fnac, Nikon, Brasil Kirin, Häagen-dazs, RR Donnelley, Lush Cosméticos e Kiehl’s.
Do site da CUT