Pelo menos 30% das brasileiras já sofreram violência doméstica ou familiar provocada por um homem. É o que aponta a 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência. o levantamento foi divulgado na terça-feira (21). Desde 2005, é feito um acompanhamento da percepção das mulheres brasileiras sobre a violência doméstica e familiar, o que tornou a pesquisa a mais longeva sobre violência de gênero no Brasil.
O estudo, segundo o Senado, foi criada para ser subsídio na formulação da Lei Maria da Penha, sancionada em 2006. Neste ano, foram entrevistadas mais de 21,7 mil mulheres em todo o Brasil, número recorde que permitirá que as análises sejam ampliadas por unidades da Federação, a fim de ter uma percepção ampla da violência de gênero no país, e pela primeira vez a pesquisa identificou e ouviu mulheres transgênero.
“Queria dizer que essa pesquisa se comunica muito bem com uma outra esfera de debate que nós criamos aqui na Casa, que é a Comissão Extraordinária de Combate à Violência contra a Mulher. Alguns pontos da pesquisa ensejam para nós uma ação muito articulada, que envolva o Poder Legislativo e o Poder Executivo, mas também os setores da sociedade”, defendeu a senadora Teresa Leitão (PT-PE).
Quanto menor a renda, maior a chance de ela ter sido agredida em algum momento da vida. Já 67% das mulheres que já sofreram violência doméstica ou familiar praticada por um homem afirmam que ele era parceiro íntimo (52%) marido ou companheiro na época da agressão, e 15% ex-marido, ex-namorado ou ex-companheiro, destaca o documento.
A pesquisa também apontou o aumento no número de mulheres que estão colocando um fim nas relações abusivas e violentas: em 2019, 53% das mulheres agredidas pelo marido continuavam casadas com o agressor, já em 2023, o número chegou a 73%. Dentre as que conseguiram sair dos relacionamentos com os agressores, 90% avaliam que a agressão sofrida influenciou muito para isso.
Quando questionadas se, nos últimos 12 meses, a violência doméstica e familiar contra as mulheres aumentou, permaneceu igual ou diminuiu, ficou evidenciado que as mulheres pobres e negras, pardas e indígenas têm uma percepção maior de aumento de violência, com 76% ante 71% das mulheres brancas e amarelas. Já aquelas que ganham até 2 salários mínimos a percepção ficou em 78% e as mulheres que recebem mais de seis salários mínimos é de 62%.
A partir dos dados obtidos na pesquisa as senadoras terão informações que contribuam na realização de estudos mais profundos na Casa para a elaboração e o aperfeiçoamento de políticas públicas que garantam o combate à violência. É o que defende a senadora petista: “E o que é que o Senado na Procuradoria da Mulher e na Comissão de Combate à Violência contra a Mulher, e até mesmo na nossa bancada feminina, o que a gente pode fazer em termos de ação, em termos de legislação, de proposições para ir avançando”, propôs.
Medidas Protetivas de Urgência – MPU
Em abril de 2023, o artigo 19 da Lei Maria da Penha (11.340/2006) foi alterado com o propósito dar maior efetividade à aplicação das Medidas Protetivas de Urgência (MPU), mecanismos de proteção legal às mulheres vítimas de violência doméstica.
A mudança passou a determinar que as MPUs sejam implementadas independentemente de registro de boletim de ocorrência, de inquérito policial e do ajuizamento de qualquer ação. A iniciativa representa um importante avanço na garantia de direitos e proteção das mulheres em situação de violência.
Ao serem questionadas sobre o seu grau de conhecimento a respeito das Medidas Protetivas, 68% das cidadãs afirmaram conhecer pouco e 15% nada sobre o instrumento de proteção. A partir da pergunta “Alguma vez você solicitou Medida Protetiva para sua segurança?” 73% das mulheres disseram que não, e 27% que sim.
Na avaliação da senadora do PT, a solicitação das medidas protetivas “é o ponto mais nevrálgico de todas as pesquisas que a gente faz, porque é como se fosse uma coisa inócua. Se solicita em percentual muito pequeno e muitos casos de agressão, até chegando mesmo ao feminicídio, a mulher está sob medida protetiva. E, pra mim, de todo esse arcabouço que tem o objetivo de nos proteger, contraditoriamente, a medida protetiva não está surtindo o efeito que devia surtir, porque os homens são muito autoritários nesse aspecto, eles sabem que a impunidade ainda é muito grande, desafiam o poder público, e descumprem a medida protetiva de todas as formas. Ou seja por ameaças, seja por vias de fato, como muitas vezes ocorrem”informou.
Sobre a Lei Maria da Penha, a pesquisa revelou que, apesar da importância da legislação, 75% das brasileiras afirmam conhecer pouco ou nada sobre ela. Destaca-se que 51% das brasileiras acreditam que a Lei Maria da Penha protege apenas em parte as mulheres contra a violência doméstica e familiar, 29% acham que ela protege e 19%, que ela não protege.
Igreja e famílias primeiros locais para pedir ajuda
A Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher revelou também que, mediante a última agressão sofrida, a família (60%) e a igreja (45%) são os espaços mais procurados pelas mulheres vítimas de violência, seguidos dos amigos (42%).
Já 31% denunciaram em uma delegacia comum e 22% em uma delegacia da Mulher. É interessante notar, afirma a pesquisa, que a maior parte das mulheres que declaram ter denunciado em delegacia da Mulher moram em cidades com mais de 50 mil habitantes, o que sugere que a falta de delegacia na cidade pode ser um impedimento para acessar o serviço.
Apesar de serem esferas de segurança para a mulher, na avaliação da senadora de Pernambuco para fazer a política, a família e a igreja são dimensões privadas do doméstico: “Para fazer a política pública há o poder público, o Legislativo e o Executivo, e vencer essa barreira do silêncio e procurar as Delegacias da Mulher. Denunciar, talvez, seja o passo mais difícil que as mulheres enfrentam. Elas estão enfrentando cada vez mais e conhecendo cada vez mais a rede de abrigamento, a rede de proteção, a rede de defesa dos seus direitos. Mas não deixa de ser um movimento muito duro que tem que ser feito, mas que precisa dessa retaguarda”, defendeu.
Instrumentos de proteção às mulheres
Quando questionadas sobre a percepção acerca dos serviços que integram a rede de proteção à mulher, a pesquisa identificou um crescimento relevante no número de mulheres que afirmam conhecer as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs).
O levantamento afirma que essas unidades da Polícia Civil voltadas à assistência a mulheres em situação de violência, de acordo com a edição de 2021, eram conhecidas por 82% das brasileiras. Em 2023, esse índice sobe para 95%. Também cresceu o número de brasileiras que afirmam conhecer a Defensoria Pública (de 56% para 87%); a Casa Abrigo (de 49% para 57%); e a Casa da Mulher Brasileira (de 35% para 38%).
Em 2023, pela primeira vez, foi perguntado se as mulheres conheciam os serviços prestados pelo CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) e pelo CREAS (Centros de Referência Especializado de Assistência Social) e a pesquisa mostrou um alto grau de conhecimento dos serviços prestados por eles (89%).
Também pela primeira vez, investigou-se o grau de conhecimento a respeito do Ligue 180. O levantamento mostra que o serviço é conhecido por 79% das brasileiras, 39% avalia o atendimento no 180 como ótimo, 38% também positivamente a Delegacia da Mulher e 23% a delegacia comum.
Para ter acesso aos resultados anteriores, clique aqui.
Da Redação do Elas por Elas, com informações da Agência Senado e da Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher