Hoje, 1º de dezembro, é celebrado o Dia Mundial de Luta Contra Aids; divulgado ontem, relatório mostra que desigualdades se refletem no acesso a serviços; senador do PT pediu auditoria ao TCU.
Assim como na vacinação, o Brasil ganhou o reconhecimento internacional no controle da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), causada pelo vírus HIV. Por décadas, o país atacou essa epidemia, surgida nos anos 80, com articulação nas três esferas de governo, foco na informação e na prevenção, sempre com respeito aos direitos humanos, garantia de acesso universal e gratuito a medicamentos, via Sistema Único de Saúde (SUS), distribuição de preservativos, seringas e agulhas descartáveis. Venceu preconceitos e virou referência para a Organização das Nações Unidas (ONU).
Só que parte disso ficou no passado. No Dia Mundial de Luta Contra Aids, celebrado nesta quinta (1° de dezembro), a população tem a lamentar o declínio brasileiro nas políticas de combate à doença. Parte do problema é orçamentário. O atual governo corta recursos para o setor ano a ano. Para 2023, estão previstos R$ 407 milhões a menos – comparativamente a esse ano – para serem aplicados em prevenção, controle e tratamento da doença. Há um apelo de entidades que militam no setor para que o governo de transição reverta essa baixa. A médica e senadora Zenaide Maia (Pros-RN) engrossa o coro no Congresso.
“Precisamos recompor o orçamento da Saúde, pois um dos cortes que foram feitos pelo governo atual prejudicou vários programas importantes, inclusive o da distribuição de antirretrovirais. A Ciência já mostrou que é possível conviver com o HIV, mas somente se a população tiver acesso facilitado a esses medicamentos”, explica.
Mas há método do governo Bolsonaro no enfraquecimento dessa política bem sucedida. Como lembrou Zenaide Maia, foram vários cortes em diversos programas, desde o Farmácia Popular até o sistema que cuida da saúde indígena, passando pelo orçamento da formação de profissionais da área médica. A falta de cuidado com populações mais vulneráveis agrava as desigualdades. E a desigualdade pode ser o nó que atrapalha o enfrentamento da Aids no Brasil. Foi o que concluiu o Programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), em relatório lançado nessa terça (29).
Tendo por base dados do Ministério da Saúde entre 2010 e 2020, o estudo mostra que houve queda de 9,8% na incidência de Aids entre pessoas brancas, ao passo que entre negros a doença cresceu 12,9%. A disparidade se repete na proporção de mortes causadas pela Aids, com redução de 10,6% na população branca e alta de 10,4% entre pessoas negras. A representante do Unaids no Brasil, Claudia Velasquez, afirmou que os números refletem o racismo estrutural, e classificou o quadro como “inaceitável”. Reação semelhante teve o senador Paulo Paim (PT-RS), que chamou de “estarrecedor” o desmonte de políticas públicas voltadas ao combate à Aids.
“Uma tragédia com requintes de desumanidade. O orçamento para 2023 perdeu 407 milhões de reais para prevenção, controle e tratamento. A situação é dramática. Pessoas não conseguem remédios. Há aumento dos números de casos. O MPF instaurou inquérito civil para apurar os impactos decorrentes do corte. O país não pode aceitar retrocesso nos direitos sociais já conquistados”, cobrou Paim.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também apura os descaminhos dessas políticas no governo Bolsonaro. O pedido foi feito no mês passado pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES).
“O Governo Bolsonaro promoveu um verdadeiro desmonte do enfrentamento ao HIV. As perdas no orçamento do Ministério da Saúde chegam a R$ 3,3 bilhões, afetando principalmente verbas de programas que distribuem medicamentos para tratamento de HIV, infecções sexualmente transmissíveis e hepatites virais. Acionamos o TCU para que fosse feita apuração desses cortes”, justificou o senador.
Discriminação
Após quatro anos de um governo que atacou e criminalizou minorias, seria espantoso se as populações-chave dessa campanha – que vem desde o final dos anos 80 – tivessem aumentado o acesso aos serviços. Claro que foi o oposto. Travestis, gays, pessoas trans, profissionais do sexo, detentos e usuários de drogas injetáveis viram as barreiras aumentarem, escancarando o fracasso do governo Bolsonaro nessa área. Imagine, então, se além disso a pessoa é pobre. É o chamado cruzamento de desigualdades, que, segundo Claudia Velasquez, precisa ser objeto de atenção das autoridades.
No relatório, a Unaids recomenda atenção especial aos jovens de todas as tribos, urbanas, rurais, inclusive indígenas. A população de 15 a 24 anos é a que mais sofre com novas infecções pelo HIV. Outra conclusão do organismo da ONU é que se invista mais em educação e comunicação sobre as infecções sexualmente transmissíveis. É o que defende, também, Fabiano Contarato, que, com base no aumento dos casos, acrescenta a preocupação com o diagnóstico e o tratamento.
“O governo federal precisa favorecer o acesso à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento pelo SUS. Sem nenhum tipo de discriminação, omissão ou deliberado interesse de atingir o direito a diagnóstico e tratamento de qualquer parcela da população. Como se já não bastasse a constante luta vivida por milhares de pessoas que vivem com o vírus, aliado ao estigma e às desigualdades sociais, ainda é preciso lutar para se ter o básico que é o acesso aos serviços de saúde. Chega de retrocessos”, protestou.
Descaso
Em outro estudo, publicado na revista Global Public Health, os pesquisadores Marcos Cueto e Gabriel Lopes, ambos vinculados à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), lembram que o congelamento de recursos para a Saúde, a partir da emenda constitucional do teto de gastos, em 2016, teve impacto na piora do setor. Mas foi no governo Bolsonaro, segundo eles, que as políticas públicas de combate à Aids foram mais prejudicadas.
“Demitiu funcionários importantes do programa de Aids, suspendeu contratos com laboratórios públicos para a produção de genéricos, extinguiu instâncias da Política Nacional de Participação Social, como o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBTs, e cancelou a Política de Redução de Danos ao HIV, que instituía troca gratuita de seringas para usuários de drogas injetáveis, uma das formas de transmissão do HIV”, listam os estudiosos.
De acordo com o mais recente Boletim Epidemiológico HIV/Aids, publicado pelo Ministério da Saúde, o Brasil acumula 1,04 milhão de casos de Aids desde a década de 80, com quase 400 mil mortes. E nos últimos 5 anos o país tem registrado uma média anual de 36,8 mil novos casos. Mas o próprio Ministério alerta que pode haver subnotificação, principalmente a partir de 2020, em razão da prioridade dada à pandemia de Covid-19. As regiões Sul e Sudeste concentram mais de 70% dos casos de Aids no país.
Do site PT Senado