Sob Bolsonaro, cresce exploração do trabalho infantil

O apagão de dados promovido pelo desgoverno Bolsonaro em todos os órgãos do setor não impede a constatação de um fato marcante do dia a dia das cidades e do campo: sob Jair Bolsonaro, o trabalho infantil avança a passos largos em todo o país. É o que constatam estudos e pesquisas realizadas desde 2019, ano do último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o tema.

Até então, a série histórica registrada pelo instituto (1992 a 2019) apontava queda de 7,8 milhões para 1,8 milhão o número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos explorados por alguma forma de trabalho no país. No mesmo período, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) acompanhou o índice de trabalho infantil cair 80,5% – de 23,6% em 1992 para 4,6% em 2019.

No domingo passado (12), Dia Nacional Contra o Trabalho Infantil, especialistas e pesquisadores lamentaram a reversão ocorrida após a posse de Jair Bolsonaro. Desde que o autointitulado “defensor da família” apoderou-se do cargo presidencial, a vida das famílias brasileiras – notavelmente a mais pobres – se deteriorou sob todos os aspectos.

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“O trabalho infantil tem ligação direta com situações como estas: aumento da fome, da pobreza, crise humanitária, acirramento da desigualdade social, desemprego”, comentou a jornalista Bruna Ribeiro em reportagem da agência alemã Deutsche Welle. O empobrecimento crescente das famílias, diz, força a evasão escolar e faz crianças e adolescentes trabalharem para contribuir no sustento da casa.

“Embora o IBGE não traga novos dados nacionais, outros indicadores nos mostram que o trabalho infantil tem aumentado no Brasil”, constata a gestora do projeto Criança Livre de Trabalho Infantil e autora do livro ‘Meninos Malabares’.

Em 2020, levantamento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em São Paulo revelou aumento de 26% no número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos submetidos a trabalho infantil nos dois primeiros meses da pandemia.

No fim daquele ano, havia mais de cinco milhões de menores de idade no Brasil sem acesso à educação. O quadro foi agravado pela catastrófica atuação epidemiológica do desgoverno Bolsonaro e pela falta de políticas públicas do Ministério da Educação (MEC), que deixou escolas fechadas e sem alternativas de ensino remoto.

Políticas públicas sofrem desmonte por falta de dinheiro

Ariel de Castro Alves, da Comissão da Criança do Adolescente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), lastima “o desdém com que este governo trata a questão da exploração do trabalho infantil”. “O atual governo cortou orçamentos ou não executou os recursos nas áreas de enfrentamento ao trabalho infantil”, acusa ele.

Levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos revela redução de 95% nos gastos federais para o combate às formas de trabalho infantil entre 2019 e 2021. Enquanto no primeiro ano de mandato foram aplicados R$ 6,7 milhões, em 2020 e em 2021 o gasto despencou para R$ 300 mil por ano. Ano passado R$ 1,88 milhão foram empenhados para a rubrica, mas o desgoverno Bolsonaro utilizou menos de 18%.

“Bolsonaro e vários parlamentares da base dele no Congresso defendem a exploração do trabalho infantil”, lembra o fundador da Comissão Especial da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB. Além do corte drástico nos gastos com o tema, ele acrescenta que o governo federal “também cerceou a atuação dos auditores do trabalho no enfrentamento ao trabalho infantil nas áreas urbanas e rurais”.

O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), criado em 1996 pelo governo federal, “foi abandonado pelos governos Temer e Bolsonaro”, prossegue Alves. Agora, “está visível o aumento do trabalho infantil nas ruas”. Esse aumento, prevê, estará evidente nas próximas pesquisas do IBGE – quando voltarem a ocorrer.

“As crianças foram seriamente atingidas durante a pandemia pela fome, trabalho infantil, inclusive doméstico, suspensão das aulas e atividades e pela violência e acidentes nos ambientes domésticos e comunitários”, finaliza o advogado, também integrante do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Indica).

A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) estima que mais de 113 mil menores de idade brasileiros perderam o pai, a mãe ou ambos para a Covid-19 entre março de 2020 e abril de 2021. Se consideradas crianças e adolescentes que tinham como principal cuidador os avós/avôs,o número salta para 130 mil no país.

“Queremos saber quem são estas crianças que estão fora da escola, onde moram, quem está protegendo e como vivem, porque que é fundamental para traçarmos uma política de combate e tratamento para esse problema tão grave”, afirma a secretária Executiva da CNTE, Ana Cristina Fonseca Guilherme da Silva.

Bolsonaro quer os filhos menores (dos outros) na labuta

O trabalho infantil é proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que vigora desde 1990. No país, o trabalho é permitido para adolescentes a partir dos 16 anos, sob condições específicas. O ECA ainda autoriza o trabalho a partir dos 14 anos na categoria de aprendiz. Bolsonaro é crítico da legislação e tenta aproveitar brechas para propor medidas que, na prática, sonegam direitos aos trabalhadores.

Defensor contumaz dos “bons tempos, quando o menor podia trabalhar”, em mais de uma ocasião o chefe do Executivo defendeu o trabalho infantil. Em suas intervenções, reforça a equivocada mentalidade popular de que “é melhor trabalhar do que roubar” e de que “trabalho não mata ninguém”.

“São dois mitos que não correspondem à realidade. Morrem crianças em trabalho infantil no Brasil”, contesta o desembargador do trabalho João Batista Martins César. “Praticamente 80% dos presos hoje no Brasil começaram a trabalhar precocemente, ou seja, o fato de começar cedo não quer dizer que não vai se envolver com criminalidade”, conclui o integrante da Comissão Nacional de Combate ao Trabalho Infantil.

Dados publicados em 2021 pelo Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil apontaram aumento de 30% em acidentes de trabalho com menores de 14 anos em 2020, em comparação com o ano anterior. De 2012 a 2020, foram 18,8 mil acidentes de trabalho envolvendo adolescentes de 14 a 17 anos, com 46 mortes.

Na última década, 13.591 crianças e adolescentes, ou quase quatro vítimas por dia, sofreram acidentes de trabalho graves no estado de São Paulo. Outras 35 morreram em situações de trabalho infantil. A maioria trabalhava na informalidade como empregados domésticos, na construção civil e na agricultura, atividades proibidas para menores.

O levantamento foi feito pelo Ministério Público do Trabalho de São Paulo, com base em dados de 2009 a 2019 do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan). No período, o MPT-SP recebeu dez mil denúncias de trabalho infantil.

Há relatos de crianças escravizadas, abusadas sexualmente, etc., e se mostra como um sintoma de nossas profundas desigualdades e da falta de coesão social”, prossegue o sociólogo Gabriel Rossi, professor da ESPM. “Criança precisa estudar e se sentir protegida dentro da escola”, defende.

“Temos uma omissão, uma falta de dados em relação a muitas formas de trabalho infantil, sobretudo nas ruas, modalidade que vem tendo crescimento gigantesco, especialmente com a pandemia”, afirma ainda a procuradora do trabalho no Ministério Público do Rio de Janeiro, Elisiane Santos, autora do livro’ Crianças Invisíveis: Trabalho Infantil nas Ruas e Racismo no Brasil’.

“Efetivar as leis já existentes de proteção e defesa da infância e adolescência, fiscalizar se estão sendo cumpridas e criar programas intersetoriais que promovam uma infância livre de trabalho infantil são pontos imprescindíveis para que erradiquemos o trabalho infantil no país”, defende Katerina Volcov, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).

A entidade lançou com o MPT e demais parceiros a campanha ‘Proteção social para acabar com o trabalho infantil’ para sensibilizar a sociedade. O Dia Mundial contra o Trabalho Infantil foi instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2002. No Brasil, o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil foi instituído pela Lei Nº 11.542/2007, assinada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Da Redação, com informações de agências

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