Cuidado ou negligência? A influência das prefeituras no acesso ao Bolsa Família durante eleições

Quando se pensa em eleições e Bolsa Família, sempre há a preocupação com uso político do programa, em especial e mais recentemente, com a rede de desinformação que propaga dados falsos dos mais variados aspectos sobre o programa. No entanto, em um contexto de eleições municipais, pouco se debate sobre os impactos da eficiência (ou não) dos serviços no acesso aos benefícios sociais federais nas cidades – é no município que está a porta de entrada, a “ponta” e o serviço mais próximo das pessoas.

Vale sempre lembrar que o Programa Bolsa Família é uma política de Estado para a redução da desigualdade social. Ele visa garantir renda para famílias em situação de vulnerabilidade e busca integração com outras políticas públicas existentes, possibilitando o acesso das famílias a direitos básicos, como saúde, educação e assistência social.

Para ser atendido pelo Bolsa Família, é preciso estar no Cadastro Único para Programas Sociais, o CadÚnico. Trata-se do principal instrumento do país para a seleção e a inclusão de famílias em programas federais. O cadastro é usado para a concessão do Bolsa Família e outros 35 programas sociais federais, sem contar inúmeros programas estaduais e municipais que se utilizam da sua base de dados para seleção e definição de políticas sociais.

A atualização e averiguações das informações do CadÚnico são responsabilidades das prefeituras, incluindo a contratação de equipe capacitada para essa finalidade. E quando se trata das condicionalidades atreladas ao Bolsa Família – compromissos que as famílias.

Assumem nas áreas de saúde, educação e assistência social para continuarem a receber o benefício financeiro -, é essencial o trabalho das unidades de saúde nas comunidades mais vulneráveis. Entre as ações realizadas por estes serviços estão campanhas de vacinação, acompanhamento às gestantes e, fundamentalmente, agenda e equipe suficientes para atender a essa população.

Além disso, está faltando vaga na creche? As mulheres, mães solo, têm onde deixar os filhos para poder buscar algo no mercado de trabalho? O posto de saúde só agenda atendimento daqui a 3 meses? As crianças de 0 a 4 anos têm acompanhamento nutricional? Sim, estas são responsabilidades do gestor municipal.

Soma-se a isso o atendimento da própria assistência social, com os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), que devem ser o espaço institucional mais próximo do diálogo com a população, conhecendo e reconhecendo o território em que está instalado, bem como suas necessidades. Com capacidade de articulação de ações e intervenções com as demais políticas públicas, este espaço oferece acolhimento, atendimento, acompanhamento e também o cadastramento dos beneficiários para acesso às políticas sociais.

Os relatos que recebemos através da Ju do Bolsa – iniciativa que conta com apoio de inteligência artificial e uma equipe técnica multidisciplinar, que tira as dúvidas da população sobre programas sociais – demonstram o quanto muitas prefeituras não têm tido capacidade para cumprir com os seus deveres, entre eles a implementação do Bolsa Família. Isso gera uma situação crônica, que afeta diretamente as famílias mais vulneráveis e impacta o benefício delas. E São Paulo, a grande metrópole brasileira, é uma das que falham nestes quesitos.

Em estudo coordenado por Aldaíza Sposati e Lucivaine Saraiva, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social da PUC-SP, em junho de 2024, chama muito a atenção que São Paulo conta com reduzido número de CRAS considerando a sua concentração populacional. Ao todo, são 54 CRAS para 11,4 milhões de habitantes e muitos deles distantes dos territórios mais vulneráveis.

Além de unidades territorialmente dispersas, elas são marcadas pela precarização dos serviços, ausência de equipes completas em cada CRAS e apenas a média de um cadastrado por unidade. Ainda segundo o estudo, a cidade de São Paulo conta com apenas três psicólogos para os 54 CRAS.

Nessas eleições municipais, é preciso avaliar o atendimento ao público do Bolsa Família sob responsabilidade dos municípios. Os governos locais devem implementar condições para chegar em todas as áreas mais vulneráveis da cidade; efetivar ações de cadastramento e atualização cadastral, tanto por visita domiciliar, quanto em postos de cadastramento, com agendamentos rápidos e eficientes.

A busca ativa é fundamental, indo às comunidades mais distantes onde os indicadores de cadastro e atualização estão piores. Por fim, são essenciais o cadastramento diferenciado de Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos (GPTE), como a população em situação de rua, e a articulação de atividades regulares da gestão do Programa, que promovam o acesso e o acompanhamento das condicionalidades. Somente assim, as prefeituras contribuirão efetivamente para evitar que famílias sejam cortadas dos seus direitos.

O uso político que precisamos debater nessas eleições é o poder do voto da população mais vulnerável. Que a população possa refletir o quanto esses serviços impactam diretamente as suas vidas e que possamos fazer escolhas que nos possibilitem uma vida melhor. Betina Brender é diretora-adjunta da Quid; Paola Carvalho é diretora da Rede Brasileira da Renda Básica.

 

Fonte: Redação Brasil de Fato

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