Uma eventual desvinculação do salário mínimo dos benefícios previdenciários, com a consequente eliminação dos ganhos reais, ou seja, acima da inflação, significará “abandonar uma grande parte da população idosa no abismo do superendividamento, sobretudo por meio do crédito consignado”. A conclusão é de uma pesquisa realizada por dois estudiosos da economia da longevidade que publicaram no jornal Folha de S. Paulo um artigo para alertar sobre os riscos sociais de uma proposta que vem sendo defendida a unhas e dentes pelo mercado financeiro e seus porta-vozes políticos e da mídia corporativa.
A pressão por cortes nos benefícios previdenciários é fortemente rechaçada pelo presidente Lula, que tem repetido que não fará ajuste fiscal em cima das pessoas pobres, com a observação de que os defensores da medida são os mesmos que se beneficiam das renúncias fiscais, o principal fator de desequilírio das contas do governo. “A palavra salário mínimo é o mínimo do mínimo que uma pessoa precisa para sobreviver. Se eu acho que eu vou resolver o problema da economia brasileira apertando o mínimo do mínimo, eu estou desgraçado, eu não vou para o céu, eu ficaria no purgatório”, disse o presidente, em 26 de junho, durante entrevista ao Portal Uol.
O artigo publicado pelos dois especialistas joga ainda mais luzes sobre essa discussão e traduz com números o potencial devastador desse tipo de desvinculação na vida de 13,7 milhões de aposentados que, hoje, enfrentam uma situação de inadimplência no Brasil. Eles equivalem a 40% do total de idosos do pais.
“Se os benefícios de valor básico, portanto, forem reajustados apenas pela inflação, a hipótese mais provável é que velhice volte a ser sinônimo de pobreza –um estágio duramente vencido nas décadas passadas quando foi vitoriosa uma invejável legislação brasileira de proteção social aos idosos, desde a Constituição Federal até o Estatuto da Pessoa Idosa (lei 10.741/2003)”, afirmam, no artigo, Guita Grin Debert, antropóloga, professora emérita da Unicamp e pesquisadora do CNPq e do Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp (PAGU), e Jorge Félix, doutor em sociologia (PUC-SP), professor da pós-graduação em gerontologia da USP e pesquisador da rede CuiDDe – Cuidado, Direitos e Desigualdades (Cebrap)
Os estudiosos assinalam que o crédito consignado é um recurso utilizado, principalmente, para o provimento de gastos com saúde (remédios e planos de saúde) e autocuidado. Pelo perfil levantado na pesquisa, os aposentados que recebem o benefício básico da Previdência têm restrita rede de apoio social ou familiar para recorrer em caso de necessidade financeira e, em muitos casos, possuem a maior renda do domicílio.
A presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), também tem sido uma voz forte contra a pressão pela desvinculação dos benefícios previdenciários. Em um post na rede social X, a parlamentar criticou um outro artigo, publicado na mesma Folha de S. Paulo e que defende a retirada de direitos sociais com uma argumentação absurda.
“Sem dar nomes, a Folha diz que líderes da Câmara tramam tirar direitos de aposentados em nova reforma da Previdência. O jornal traz uma conta torta, ignorando que o aumento real dos salários também aumenta a arrecadação da Previdência (além de aquecer a economia). Se a ideia dessas lideranças anônimas é ajudar as contas do governo, seria melhor rever as distorções nas emendas parlamentares, antes de meter a mão no bolso dos aposentados”, afirmou Gleisi.
Bancos multiplicam ganhos
Os aumento do endividamento dos aposentados tem feito a festa dos bancos, que multiplicam seus lucros às custas do sofrimento dessa parcela significativa da população, como ressalta o artigo dos dois especialistas.
“A fragilidade financeira também oferece ao sistema bancário uma clientela cativa e vulnerável”, dizem os pesquisadores, que acrescentam: “O problema é que a sugestão de desvinculação aparece no momento em que a Serasa registra 72,8 milhões de inadimplentes no país. E por que a situação das pessoas idosas é mais grave? Embora o grupo entre 41 e 60 anos de idade seja a maior fatia ‘negativada’ (35%), os idosos representam 18,9% do total de inadimplentes, ou 13,7 milhões”.
Os pesquisadores prosseguem, acrescentando um problema adicional na vida desses aposentados: “Portanto, a ideia de desvinculação é posta na mesa quando 40% dos idosos do país estão inadimplentes. Ou seja, não conseguem viver de suas aposentadorias. Essa faixa também apresenta as maiores dificuldades de renegociação e de transferir seus empréstimos para instituições financeiras que cobram taxas de juros menores (portabilidade)”.
Segundo eles, essa condição crônica de vulnerabilidade financeira “é consequência da imensa desigualdade do sistema previdenciário, agravada pelas reformas empreendidas desde os anos 1990”.