Quem cuida de quem cuida?

Por Julimar Roberto*

No tecido complexo da sociedade, as mulheres carregam um fardo pesado e multifacetado: a dupla, e muitas vezes tripla, jornada de trabalho. Esta realidade dolorosa transcende fronteiras geográficas e culturais, impactando inúmeras vidas e moldando o panorama socioeconômico global. Faz-se urgente desvendar as camadas dessa carga invisível e exigir o reconhecimento e valorização do trabalho não remunerado realizado por tantas mulheres ao redor do mundo.

Do amanhecer ao anoitecer, as mulheres estão em movimento constante, equilibrando suas responsabilidades remuneradas fora de casa com o trabalho não remunerado no lar. Muitas são as principais provedoras de suas famílias, sustentando não apenas a si mesmas, mas também seus filhos e, em muitos casos, outros membros do seu núcleo familiar, como irmãos, pais e companheiros. Dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) mostram que 38,3 milhões de lares são chefiados por mulheres no Brasil. Um crescimento de 72,9% em apenas dez anos.

No entanto, mesmo depois de um dia exaustivo de trabalho remunerado, o trabalho de cuidado não cessa. De volta para casa, as mulheres assumem o papel de cuidadoras principais, dedicando-se ao bem-estar família sem esperar remuneração ou reconhecimento. São elas que cozinham, cuidam dos idosos, das crianças, dos doentes, da roupa, da casa e, muitas vezes, do parceiro, desempenhando uma variedade de tarefas essenciais que sustentam o funcionamento do lar e da família.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 76% do trabalho de cuidado não remunerado é realizado por mulheres. Ainda conforme a OIT, se esse tempo dedicado a cozinhar, lavar, passar, limpar e ajudar as crianças com a tarefa de casa, por exemplo, fosse contabilizado o valor chegaria a quase 11 trilhões de dólares por ano.

É crucial reconhecer que esse trabalho invisível e não remunerado é o alicerce sobre o qual toda a sociedade é construída. No entanto, é também um dos pilares mais negligenciados e subvalorizados de nossa economia. Enquanto o trabalho remunerado é frequentemente mensurado em termos de produtividade e compensação financeira, o trabalho de cuidado é constantemente menosprezado e considerado naturalmente feminino, portanto, menos digno de valorização.

Esta é uma injustiça que precisa ser reparada. Devemos exigir uma mudança de paradigma que reconheça e valorize o trabalho de cuidado realizado pelas mulheres. Isso inclui políticas que promovam a igualdade de gênero no local de trabalho, como licença parental remunerada e creches acessíveis, bem como uma redistribuição equitativa das responsabilidades de cuidado entre todos os membros da família.

Além disso, devemos desafiar as normas de gênero que perpetuam a ideia de que o trabalho de cuidado é exclusivamente responsabilidade das mulheres. Devemos criar um ambiente onde essa obrigação seja compartilhada de forma mais equitativa entre parceiros e onde todas as formas de trabalho, remuneradas e não remuneradas, sejam valorizadas igualmente.

À medida que avançamos em direção a um futuro mais justo e equitativo, é imperativo que reconheçamos e honremos o trabalho incansável das mulheres que sustentam não apenas suas famílias, mas também a própria estrutura da sociedade. No entanto, palavras sozinhas não são suficientes. Precisamos sair do discurso e tomar medidas mais efetivas. Somente através de ações concretas que promovam a redistribuição justa do trabalho de cuidado e garantam condições dignas e remuneração adequada para todas as pessoas envolvidas poderemos verdadeiramente alcançar a igualdade de gênero e justiça para todos.

*Julimar é comerciário e presidente da Contracs-CUT

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