Por Julimar Roberto:
Na semana da Consciência Negra, vamos falar do racismo existente nesse país mestiço, onde 56,1% da população é negra. Uma nação que nega sua ancestralidade e, com hipocrisia, tenta disfarçar que é racista. Mas não basta ser antirracismo somente em novembro, essa é uma luta diária.
O racismo é forma de opressão que nega a dignidade, a liberdade e a igualdade de pessoas e grupos por causa de sua cor, etnia, origem ou cultura. Esse problema histórico e estrutural afeta a sociedade brasileira em todos os seus aspectos, desde o econômico, o político, o social, o cultural, o ambiental e, principalmente, o psicológico. Por se manifestar de várias formas, mais explícitas ou mais sutis, talvez nem consigamos identificar toda ação racista, mas, em qualquer caso, ela sempre gera violência, sofrimento e injustiça.
Uma das formas mais conhecidas do racismo é a institucional, que se expressa nas normas, práticas e políticas de instituições públicas ou privadas, que geram ou reproduzem desigualdades e discriminações raciais, seja de forma intencional ou não. Esse tipo de racismo pode ser observado na falta de representatividade e diversidade nos espaços de poder e decisão, na seletividade e violência do sistema de justiça e segurança pública, na negação ou precarização de direitos e serviços públicos, na invisibilização ou estereotipação da cultura e da história dos grupos racializados, entre outros. Um exemplo de racismo institucional no Brasil é a sub-representação dos negros na política, que corresponde a apenas 24,4% dos deputados federais e 28,9% dos deputados estaduais, apesar de serem mais da metade da população brasileira.
Pouco debatido, o racismo ambiental afeta desproporcionalmente as populações negras, indígenas e quilombolas que vivem em áreas degradadas, vulneráveis ou expostas a riscos ambientais, como poluição, desmatamento, desastres naturais, entre outros. Essas populações sofrem com a violação de seus direitos humanos, culturais, territoriais e socioambientais, além de terem menos acesso a recursos e serviços básicos, como água, saneamento, saúde e educação. Um exemplo de racismo ambiental no Brasil é o caso de Mariana, em Minas Gerais, onde o rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração em 2015 afetou principalmente as comunidades tradicionais da região, como os povos Krenak e os quilombolas de Bento Rodrigues.
Uma forma mais abrangente e profunda de racismo é o racismo estrutural, que se baseia na hierarquização e na naturalização das diferenças raciais, que são construídas e reproduzidas socialmente ao longo da história. Esse tipo de racismo se manifesta nas relações sociais, econômicas, culturais e simbólicas, que privilegiam os brancos e marginalizam os negros e outros grupos racializados. O racismo estrutural é sustentado por ideologias e discursos que negam ou minimizam a existência do racismo, que culpabilizam as vítimas ou que exaltam uma suposta democracia racial. Um exemplo de racismo estrutural no Brasil é a desigualdade racial no mercado de trabalho, que se reflete na menor escolaridade, na maior taxa de desemprego, na menor renda e na maior informalidade dos trabalhadores negros em relação aos brancos.
De um jeito mais sutil e dissimulado, o racismo cultural, que rejeita ou denigre as tradições de uma etnia considerada “inferior” ou “má”, defende uma cultura “pura” ou “superior”. Esse tipo de racismo pode levar à intolerância religiosa, à perseguição de minorias étnicas, à imposição de valores culturais dominantes, entre outros. Um exemplo de racismo cultural no Brasil é o preconceito contra as religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, que sofrem com a violência, o vandalismo e a discriminação de grupos fundamentalistas.
Não podemos nos esquecer do racismo aversivo, que se caracteriza pela negação ou dissimulação do preconceito racial, por parte de pessoas que se consideram não racistas, mas que, inconscientemente, possuem atitudes ou comportamentos discriminatórios. Esse tipo de racismo pode ser manifestado por meio de piadas, comentários, expressões faciais, gestos, evitação, entre outros. Um exemplo de racismo aversivo no Brasil é a afirmação de que “não sou racista, tenho até amigos negros”, que revela uma tentativa de se eximir da responsabilidade pelo racismo e de ignorar a realidade das desigualdades raciais.
Essas formas de racismo, que se inter-relacionam e se reforçam, são responsáveis por gerar violência de vários tipos, como a violência física, a violência psicológica, a violência simbólica, a violência institucional, a violência estrutural, entre outras. Essas violências afetam a vida, a saúde, a educação, o trabalho, a cultura, a cidadania, a autoestima, a identidade e a felicidade de milhões de pessoas que são vítimas do racismo no Brasil.
Por isso, é urgente e necessário reconhecermos o racismo em nossa sociedade e em nós mesmos, para podermos combatê-lo em nosso cotidiano. Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista, ou seja, assumir uma postura ativa e consciente de enfrentamento ao racismo, em todas as suas formas e manifestações. Ser antirracista é reconhecer a diversidade e a pluralidade da sociedade brasileira, é valorizar e respeitar as diferenças e as semelhanças entre as pessoas, é promover a justiça e a equidade racial, é defender os direitos e a dignidade de todos, todas e todes, é construir uma sociedade mais humana e solidária. Ser antirracista é o dever de quem sonha com um Brasil mais justo, democrático e feliz.