Em julho de 2023, uma entrevista do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, passou quase despercebida pela grande mídia. Ao site da BlackRock, a maior gestora de fundos do planeta, Neto revelou ter pensado em um plano que, na sua visão, seria algo “bom” para o Brasil: entregar o controle da administração das reservas internacionais do banco, estimadas em US$ 380 bilhões, à gestora americana. A terceirização de ativos do BC, denunciada à época pelo site do PT como um dos maiores ataques à soberania do país, é apenas a ponta do iceberg de um oceano de trilhões de dólares geridos pelos “donos do mundo”. Trata-se das gestoras de fundos que, na prática, controlam o equivalente aos maiores PIBs do planeta.
As cinco maiores gestoras de fundos do mundo atualmente tomam conta de US$ 29,6 trilhões em ativos. Para se ter uma ideia do que isso representa, a soma supera a projeção de crescimento da mais poderosa nação global, os Estados Unidos, cujo PIB em 2023 deve chegar a US$ 26,95 trilhões. Os conglomerados apareceram listados em uma reportagem do site VC S/A, do Grupo Abril.
A cifra impressionante revela como a atuação silenciosa dos fundos, que estão entre os acionistas das empresas mais poderosas da era moderna, têm interferido, de modo crescente, nas economias locais, incluindo o Brasil, principalmente após as privatizações feitas durante o governo Bolsonaro.
De acordo com a VC S/A, o “top 5” dos fundos integra: BlackRock, com o gerenciamento de US$ 10 trilhões somente em ativos, Vanguard (US$ 8,1 trilhões), Fidelity (US$ 4,2 trilhões), State Street Corp (US$ 4,02 trilhões) e Morgan Stanley (US$ 3,32 trilhões). Essa última, sozinha, controla ativos que superam o PIB brasileiro estimado para este ano: US$ 2,13 trilhões.
Em artigo para o portal 247 no último final de semana, o engenheiro e professor do Instituto Federal Fluminense (IFF), Roberto Moraes, chama a atenção para “o papel que as gestoras de fundos globais realizam no âmbito da configuração da atual hegemonia financeira no Brasil e no mundo”.
No texto, Moraes debruçou-se especialmente sobre a atuação da BlackRock, a gestora predileta de Campos Neto – o lacaio do capital financeiro – para gerenciar as reservas brasileiras, conquistadas graças aos esforços dos governos do PT. Ele destaca, por exemplo, o avanço da gestora sobre diversas áreas no Brasil, em especial, o setor elétrico, sobretudo após a entrega criminosa da Eletrobras ao capital privado.
“A gestora de fundo de investimentos BlackRock está presente em negócios de diversos setores no Brasil como energia (eletricidade e petróleo), bancos, agronegócio, alimentos, mineração, siderurgia, indústria, comércio e varejo, construção e imobiliáio, etc. e também utiliza o discurso de privilegiar a visão ESG (Environmental, Social and Governance ou investimentos em Meio Ambiente, Social e Governança) com foco na sustentabilidade e da transição energética”, alerta o professor.
“Diversidade”
A reportagem do site VC S/A. também chama a atenção para a “diversidade” da atuação dos fundos, que espalham sua participação em porcentagens pequenas: “Boa parte das companhias do S&P 500, o “ibovespa” dos EUA, tem o capital fortemente pulverizado, e os maiores acionistas das maiores companhias são invariavelmente grandes gestoras de fundos”, destaca a matéria.
“Além disso, porcentagens aparentemente pequenas escondem grandes valores. O stake da Vanguard na Apple vale US$ 175 bilhões (três Petrobras inteiras)”, exemplifica.
Privatizações reforçam poder sobre economias
A pulverização descrita no modus operandi dos fundos parece disfarçar também a real influência que essas gestoras têm na economia dos países, conforme observado por Moraes no artigo. “No Brasil, mais recentemente, chama a atenção o avanço dos investimentos em negócios privatizados e em termos espaciais há agora um grande interesse em Minas Gerais que está em vias de privatização de empresas estatais com o governo Zema”, observa o professor.
“Quem controla, mesmo que de forma minoritária, tão ampla participação em diferentes setores e territórios, sempre atuará tanto politicamente em defesa dos seus interesses, quanto geoeconomicamente, para garantir ganhos em escala e não necessariamente localizados em ativos por país”, enfatiza Moraes, ao identificar a verdadeira razão da presença desses fundos no Brasil. “Vale observar com atenção os movimentos de entrada e saída dessas participações acionárias da gestora BlackRock no Brasil”, aponta.
“Em especial no setor elétrico, lembrando que na Eletrobras privatizada por Bolsonaro, o BlackRock tem posição expressiva superior a R$ 6 bilhões. Na América Latina, a BlackRock tem investimentos e patrimônio da ordem de quase US$ 100 bilhões”, estima o engenheiro.
Moraes, que é autor do livro “A ´indústria´ dos fundos financeiros: potência, mobilidade e estratégias no capitalismo contemporâneo”, faz um alerta sobre os riscos de uma ampliação das ações da BlackRock – e por extensão, de outras gestoras. Para ele, em sua expansão, a gestora passará a interagir mais com setores da economia, como o bancário, fundos financeiros, interferindo nos ativos da economia real, e ampliando seu escopo de influência na política e na economia.
“São movimentos que mostram ainda o enlace do BlackRock com o setor bancário, fundos financeiros nacionais, controle das inovações financeiras (e papeis), captura de excedentes nacionais em seus diferentes tipos de capitalização e ainda dos ativos da economia real, em controle de ativos que vai lhe garantir valorização, alta rentabilidade e capacidade de interferência nas políticas e nas economias nacionais”, denuncia ele.
“É essencial entender e debater esse fenômeno sobre as cadeias de valor global, a atuação transversal e transfronteiriça dos fundos, sobre a geoeconomia, a geopolítica, a disputa pelo poder político nos países e a formulação das estratégias dos projetos nacionais de desenvolvimento”, adverte Moraes, na conclusão do artigo.
Da Redação do PT, com site VC S/A e 247