Por Julimar Roberto:
Todos os dias, milhares mulheres, das mais variadas idades, abrem mão de suas vidas para cuidar dos filhos dos outros. Abrem mão até mesmo da presença diária na vida dos próprios filhos para participar da criação de crianças geradas por terceiros. Muitas vezes vestidas de branco dos pés à cabeça, dão banho, alimentam, cuidam, brincam, supervisionam e até educam. Fazem o trabalho rotineiro que deveria ser feito pelos pais. São elas as babás, a figura materna que muitas crianças de famílias ricas conhecem.
Mas engana-se quem pensa que todo esse sacrifício se converte em reconhecimento por parte dos patrões. Muito pelo contrário, para a maioria deles, são apenas uma mão de obra com finalidade específica. Nada mais que isso.
Prova de tamanho descaso é que na última semana, um dos clubes mais renomados da elite paulistana, o Harmonia, emitiu um comunicado proibindo a presença de babás sozinhas dentro do estabelecimento. A trabalho, sim. Sozinhas não.
O documento, com regras descabidas, estabelecia ainda que, a presença dessas trabalhadoras no local, mesmo que acompanhadas de crianças ou patrões, deveria ocorrer sob algumas exigências. Uma delas é a obrigatoriedade do uso de uniformes. Isso separa quem é quem. Quem é elite e quem não é.
Além disso, as babás teriam circulação limitada. Só poderiam se alimentar em mesas previamente estipuladas ou nos quiosques. Nada de sentar nos mesmos assentos que os patrões. É extremamente proibido. Estão ali para trabalhar e nada mais.
O documento é claro e não deixa dúvidas de que as trabalhadoras não são bem-vindas. São aceitas, suportadas. Isso apenas porque a elite se exime da obrigação de cuidar dos próprios filhos e passa o trabalho para frente. Estão pagando e é o suficiente. Pelo menos isso é o que eles acham.
Não precisa nem dizer que esse caso é o retrato claro da elite brasileira, que não suporta pobre. Enquanto cinicamente afirmam que as babás são como se fossem da família, a realidade se mostra bem diferente. Não são. Os patrões sabem e as trabalhadoras também. Todos ali têm papéis bem definidos. Um manda e outro obedece.
Faltam o respeito, a atenção e o cuidado ─ tudo o que as babás têm e oferecem de sobra para os filhos daqueles que as rejeitam. Falta amor, falta empatia. Faltam, sobretudo, a humanidade e o zelo pelo próximo.
Em um contexto onde as babás desempenham uma função vital na criação e cuidado das crianças de famílias abastadas, emerge uma irônica inversão de papéis que ecoa tempos passados. O clube Harmonia, ao emitir regras que segregam e restringem essas trabalhadoras, evidencia que o mesmo cuidado e atenção outrora fornecidos pela casa grande agora são substituídos por um sistema de relações que perpetua a separação entre classes.
As babás, que zelam pelas necessidades e crescimento dos filhos dos empregadores, são estranhamente lembradas como as amas de leite de outrora, incumbidas de nutrir e proteger os herdeiros dos senhores. A imposição de uniformes e espaços delimitados sublinha o distanciamento social, recordando que, enquanto a elite enaltece a família, a realidade é moldada pela exploração hierárquica.
Este triste cenário desvela a hipocrisia que permeia o discurso de “família” proferido pelas classes abastadas, lembrando que as relações entre patrões e babás são permeadas por desigualdades profundas. Assim, em pleno século XXI, exemplos como o do clube Harmonia reforçam divisões sociais e contribuem para a manutenção de um sistema onde a empatia e a humanidade são subjugadas pelo desejo de perpetuar privilégios.