Bolsonarismo em clubes de tiro põe a vida e a democracia em risco

A exemplo de países como Hungria e Polônia, governados pela extrema direita, o Brasil assistiu, durante a presidência de Jair Bolsonaro, a uma multiplicação dos clubes de tiro, acompanhada da abolição de várias restrições ao acesso a armas de fogo. Entre outros efeitos dessa mistura explosiva, o país registrou, nesse período, aumento de 1.200% do envolvimento de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) em crimes contra a mulher, como o feminicídio, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Para a entidade, o governo Lula acertou ao publicar decreto com a regulamentação desse segmento.

Nos últimos quatro anos, o governo passado autorizou, em média, a abertura de um clube de tiro por dia, totalizando 1.483 registros concedidos. Esses locais passaram a atuar como verdadeiros comitês do bolsonarismo e de estímulo à violência política, como têm alertado o presidente Lula, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), além de outros políticos e também especialistas.

Membro do FBSP e professor de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Arthur Trindade compartilha dessa visão e considera que esse doutrinamento pode estimular o ódio e o cometimento de atos de violência.

“O funcionamento dos clubes de tiro, com o doutrinamento que acontece neles, acaba levando ao aumento da radicalização política. A radicalização política pode levar, em última instância, a uma violência”, afirmou Trindade, em entrevista ao Site do PT. “É uma situação gravíssima, porque a gente está falando da democracia”, sublinhou.

O especialista citou como exemplo a morte do guarda municipal e tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu (PR), Marcelo Arruda, assassinado a tiros, em julho de 2022, pelo agente penitenciário federal Jorge José da Rocha Guaranho, militante do bolsonarismo. Arruda comemorava o aniversário, em uma festa temática sobre o PT, quando o assassino chegou ao local e cometeu o crime.

Anuário da Segurança Pública

Na semana passada, o FBSP divulgou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Além de apontar o aumento de 1.200% do envolvimento de CACs em crimes contra a mulher, o documento mostra que, em 2022, houve quatro crimes de feminicídio por dia, sendo que aproximadamente 30% deles foram cometidos com o uso de armas de fogo.

Segundo Arthur Trindade, esse cenário demanda providências efetivas, como o decreto assinado pelo presidente Lula para regulamentar o acesso a armas de fogo e o funcionamento dos clubes de tiro.

“Não há dúvida de que tem que ser regulamentado, e muito bem regulamentado. Nesse ponto, eu estou de acordo com os analistas, com o pessoal que estuda muito a fundo o tema. Eu acho que o decreto assinado pelo presidente e pelo ministro Dino na última sexta-feira foi muito feliz”, disse o representante do fórum. “Ele foi muito bem costurado, habilmente dialogado, e trouxe um nível de regulamentação bem melhor até que, originalmente, trazia o Estatuto do Desarmamento”, acrescentou.

O decreto de Lula foi assinado no último dia 21, durante o lançamento do Programa de Ação na Segurança (PAS), que prevê uma série de medidas de combate à violência contra a mulher, aos ataques a escolas, ao tráfico de drogas, aos crimes ambientais, bem como de proteção da região amazônica, de valorização dos profissionais de segurança, de desenvolvimento de operações integradas entre forças policiais e de reforço do controle de acesso a armas de fogo.

Conforme o decreto, deverá haver uma “migração progressiva” das atividades de fiscalização de armas, hoje sob responsabilidade do Exército, para a Polícia Federal. Com isso, na prática, o controle do armamento civil passa para uma instituição civil, retirando os militares do processo.

A norma também estabelece novas regras, mais restritas, para clubes de tiro desportivo. Ficam proibidos, por exemplo, os estabelecimentos com funcionamento 24 horas. Antes, não havia regra sobre a localização ou o horário de funcionamento desses clubes, que podiam ficar, inclusive, perto de escolas.

Com as mudanças, os clubes de tiro e empresas de instrução terão de ficar a pelo menos 1 km de distância de escolas públicas ou privadas. O horário de funcionamento terá que respeitar o limite entre 6h e 22h. A mudança do horário de funcionamento, segundo o decreto, é de caráter imediato. As outras adequações, em um prazo de 18 meses.

Para o membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o decreto presidencial, se não for alterado pelo Congresso, pode levar ao fechamento de muitos clubes de tiro no país. “Se esse for mantido do jeito que está, embora não acabe com o clube de tiro, o que vai acontecer é que vai estrangular, de tal maneira, que muitos deles vão fechar. Porque o negócio vai parar de ser tão interessante como era. Não diria que todos vão fechar, mas o negócio vai ter uma apertada forte”, disse.

Crime organizado

Na terça-feira (25), durante a live Conversa com o Presidente, Lula afirmou que a política armamentista de Bolsonaro não buscava o combate à criminalidade, mas o favorecimento ao crime organizado, já que várias armas de fogo acabaram sendo desviadas para as mãos de bandidos.

“Nós temos que ter claro o seguinte: por que que um cidadão quer uma pistola 9 mm? Porque ele quer? O que ele vai fazer com essa arma? Vai fazer coleção? Vai brincar de dar tiro? Porque, no fundo, no fundo, esse decreto de liberação de armas que o presidente anterior fez era para agradar ao crime organizado, porque quem consegue comprar é o crime organizado e gente que tem dinheiro”, disse Lula, em conversa com o jornalista Marcos Uchôa. O presidente também se manifestou favorável ao fechamento dos clubes de tiro e à manutenção apenas dos que são utilizados pelas Forças Armadas e pelas polícias civil e militar.

Na segunda-feira (24), a deputada Gleisi Hoffmann anunciou que discutirá com a bancada do partido na Câmara a elaboração de projeto de lei propondo nova regulamentação sobre os clubes de tiro e o acesso dos CACs a armas de fogo. Segundo ela, quando pronta, a proposta será encaminhada para o ministro Flávio Dino e para a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.

Da Redação do PT

 

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