Integrante da liderança nacional do MST, João Pedro Stedile afirma que a aprovação na Câmara do Projeto de Lei 490, o PL do Marco Temporal, expõe distorções da democracia brasileira. Em outras palavras, a razão pelas quais são aprovados projetos de interesse dessa minoria, e não do conjunto do país. “É pedagógica a aprovação do PL na Câmara. Os latifundiários correspondem a 1% do país, mas ocupam 35% do Congresso. Isso ajuda a entender essas distorções”, destacou Stedile no sexto episódio da terceira temporada do podcast Três por Quatro, lançado nesta sexta-feira (9).
Na sua avaliação, a aprovação foi uma espécie de provocação dos deputados ao governo, que colocou a questão indígena na pauta. E ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde se arrasta um julgamento sobre a validade da tese do marco temporal. Reiniciado nesta quarta-feira (7), voltou a ser suspenso devido a pedido de vista do ministro André Mendonça. Mas os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes votaram contra a tese ruralista; Nunes Marques, a favor.
“Eu espero que os ministros do STF tenham vergonha na cara. Eles não vão rasgar a Constituição por pressão do agronegócio. Então, eu imagino que os povos indígenas e o povo brasileiro serão vitoriosos no STF. Mas se um desastre acontecer, porque são os mesmos que mandaram prender o Lula, nós teremos que apelar para Tribunais Internacionais”, disse.
Brasil tem dívida histórica com povos indígenas, diz Stedile
Na avaliação de Stedile, o Brasil tem uma dívida histórica com os povos indígenas. “Eles que conhecem, mais do que ninguém, os diferentes biomas do Brasil. E eles que nos ensinaram a proteger as árvores, eles que ensinaram que da árvore protege-se a água. Se você derruba a árvore, desaparece a água, que é fundamental para a agricultura, que é fundamental para a vida humana de todos os seres vivos do nosso planeta. Então, nós temos uma dívida de gratidão por conhecimento histórico que os povos indígenas deixaram como legado”, destacou.
A coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Juliana Kerexu, também participou do episódio. “Essa afronta toda não é só contra nós, povos indígenas, é contra os territórios, contra a natureza, contra as grandes florestas, esses biomas que estão ameaçados. É uma afronta ao direito de ter um futuro”, disse a liderança, que é caciqueda aldeia Tekoa Takuaty, sobre impactos do Marco Temporal.
Marco Temporal impede direito dos povos indígenas às suas terras
Juliana destacou que a defesa da demarcação das terras indígenas, de interesse de todo o país, não conflita com o desenvolvimento. “Em nenhum momento os povos indígenas falam contra o desenvolvimento de um território ou de um país, mas, sim, de repensar o que nossos atos e o desenvolvimento irresponsável estão gerando para o povo brasileiro e o mundo”, disse.
O marco temporal em discussão no Legislativo (PL do Marco Temporal) e no Judiciário, na prática, impede o direito constitucional dos povos indígenas às suas terras. Isso porque, pela tese – que é política, e não jurídica – o povos originários só podem reivindicar a demarcação de terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Ou seja, é como se a história de todos eles no Brasil começasse naquela data; como se tivessem chegado ao Brasil 480 após os europeus.
O PL 490, que terá outro número no Senado, inclui ainda a abertura das terras indígenas para a exploração pelo agronegócio, garimpo e outras atividades de exploração.
Da redação da Rede Brasil Atual