Por Juarez Paulo Braga Zamberlan*
Escrevo neste 8 de março, Dia Internacional das Mulheres.
Não abordarei especificamente as atividades alusivas ao dia. Por quê? Independente dos fatos históricos que ensejaram a criação da distinção, não vejo grandes mudanças no comportamento dos homens que justifiquem tantas “homenagens”, quando nos demais dias do ano, se repetem a lo largo y ancho ações opressoras e discriminatórias em desfavor das mulheres.
O mote para esta publicação é a morte. A morte física. O desaparecimento do corpo. Parece trágico. De fato, assim o é. Toda essa introdução para falar das mortes (físicas, saliento mais uma vez), de um alemão e uma brasileira: Karl Marx e Marielle Franco.
Qual a relação entre Karl Marx, que morreu na Inglaterra em 1883, e Marielle Franco, assassinada em 2018 no Rio de Janeiro? O dia em que ambos morreram: 14 de março.
Essa coincidência não é a única ligação entre ambos. Sabidamente, Marielle Franco, vereadora do PSOL, negra, favelada, lésbica e lutadora pelos direitos humanos, defendia em muito o que Karl Marx pregava, em publicações e na prática, nos tempos sangrentos do século 19. O fim da exploração do trabalho proletário pelo pagamento de salários aviltados, o controle dos meios de produção pelos trabalhadores, a extinção da burguesia e do Estado, abrindo caminho, através das experiências de governos socialistas e da ditadura do proletariado, para o comunismo. Arrisco afirmar que muito da militância social e política de Marielle Franco orbitava nesse ideário, ainda presente nos quatro cantos do mundo.
Agora um pouco de números. Marx morreu em 1883. Serão 140 anos de sua morte no dia 14 de março de 2023. Viveu mais de 70 anos. Escreveu com Engels, o Manifesto Comunista publicado em 1848, ou seja, há 175 anos. Quase dois séculos. Em 1848, o Brasil estava em pleno Segundo Império, com Dom Pedro II liderando a prática da escravização dos povos africanos. Analisa a distância, não geográfica, claro, que separava o Brasil da Europa: enquanto os proletários da Inglaterra, França, Alemanha, Rússia e outros países discutiam o socialismo/comunismo, o Brasil Colônia resistia em acabar com a escravidão. Na lei, somente encerrou essa triste página em 1888, lançando na sarjeta da economia milhões de africanos e afrodescendentes construtores da riqueza da burguesia tupiniquim. Dívida histórica ainda não quitada.
Marielle Franco viveu menos de 40 anos. Enquanto o alemão Karl Marx morreu dormindo, sentado em sua poltrona, a negra brasileira afrodescendente foi brutalmente assassinada com quatro tiros, na poltrona traseira do carro em que transitava. Há cinco anos, portanto. Sinta a ironia do destino: junto com Marielle morreu o motorista do aplicativo Uber, Anderson Gomes, que ganhava a vida de forma semelhante ao proletariado inglês do século 19, objeto de estudos de Engels e Marx. Muitas horas de trabalho para uma renda incompatível.
Karl Marx não está fisicamente entre nós há 140 anos. Sua vasta produção intelectual está mais viva que nunca. Em tempos de capitalismo financeiro globalizado, o conteúdo de O Capital e Manifesto Comunista se mantém teoricamente atuais, a despeito das experiências malogradas de governos socialistas. A revolução bolchevique na Rússia é um exemplo clássico.
O assassinato de Marielle Franco completa cinco anos em 14 de março. Neste período, o aparato policial e judiciário bate cabeça para identificar os mandantes do crime. O motivo do crime é notório: interromper a trajetória política de uma mulher que incomodava a elite dirigente, ou seja, a burguesia. Da mesma forma, Marx foi expulso de países onde vivia com a família. Forçadamente teve que se transferir de cidade e país várias vezes, pelo mesmo motivo: suas ideias incomodavam os governos, que, à época e agora, representam os interesses dos poderosos. Cuba é uma honrosa exceção, por isso o socialismo caribenho incomoda.
Karl Marx Presente!
Marielle Franco Presente!
#abajoelbloqueoaCuba
Publicado originalmente em Brasil de Fato